domingo, 28 de dezembro de 2014

"That’s what really scares me.
Falling in love is easy. Having sex is easier. But bumping into someone that can spark your soul - that shit is rare.
You could fuck four, five, all the people in a god damned room and you’d only feel a connection with one. Or none at all.
And what sucks is despite the undeniable real magnetic pull between the two of you, more often than not, you don’t end up together.
I’m afraid I won’t meet anyone else I can connect with.
I’m scared it’ll be just you.”
—Connection, Sade Andria Zabala

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Meninas

Para Yasmin Souza

Eu gosto de crianças, embora não conviva muito com elas. Gosto especialmente de meninas. Acho que elas são menos escutadas. Acho que elas ouvem muito sobre serem lindas, comportadas e doces, e ouvem pouco sobre serem elas mesmas. Sobre ser permitido a elas vicejar.

Gosto das meninas e busco ouvi-las porque fui eu própria uma menina com muito a dizer e execrada por ser muito inteligente. Hoje penso na minha insegurança com a minha própria aparência e no quanto eu ouvia que era feia e não consigo dissociar disso do desconforto que minha inteligência causava nos meninos da minha escola. Olhando minhas fotos, eu não acho que eu era uma criança feia. Acho que eu era bonita. Receio pensar a mesma coisa aos 22 olhando minhas fotos atuais, aos 20. E acho, também, que eu era uma criança e que eu não deveria ter aprendido desde cedo a vincular  minha aparência ao valor que me seria dado em sociedade.

Essa era eu com 10 anos, aliás

Voltando a digressão. Não é fácil ser uma menina. Se é difícil ser mulher, ser menina pode ser muito complicado também, porque as crianças são pouco levadas a sério. E eis que você é uma criança do gênero socialmente inferiorizado.

Eu fui uma menina muito melancólica. Muito só. Os livros foram meu consolo. Aprendi a ler muito nova, com 4 anos, acho, sozinha. Era Jardim alguma coisa e a professora nos disse o som de cada letra e como cada letra era. Um dia, andando com a minha mãe no nosso bairro, li na frente de uma casa de câmbio. "Alugo mobilete". Minha mãe dizia que eu li isso sem hesitar, sem gaguejar. Ela começou a rir muito alto - eu fiquei meio assustada. Enfim. Eu lia muito quando era criança. De Pedro Bandeira a mitologia grega. Com 10 anos li Revolução dos Bichos e apaixonei. Li também dois livrinhos do Voltaire e adorei.

Se hoje eu, com 20 anos, ainda me sinto só, frágil e deslocada, às vezes, ser uma menina era muito pior.

Uma vez eu conheci uma menina de 8 anos que ajudava a cuidar dos irmãozinhos e tentava lidar com a saudade do pai, que desencarnou (faleceu) quando ela tinha 3. Ela era canceriana. Eu convidei ela pra sentar no meu colo e conversamos. Eu disse que era ótimo que ela fosse tão forte, mas que ela não podia se esquecer de que era uma criança, e que segurar mais do que ela conseguia, um dia poderia fazer ela não aguentar mais. E eu disse que isso aconteceu comigo, e que eu não queria que acontecesse com ela. Ela disse "obrigada, tia".

Se um dia eu tiver uma filha, tudo que gostaria era de poder fortalecê-la na infância mais do que foi possível que me fortalecessem. Porque esse tipo de herança é sagrada. Sei, contudo, que minha mãe lidou o melhor que podia.

Nesse dia das crianças, que todas as meninas um dia possam ser livres de um sistema misógino que mina a potência mulheres que elas merecem se tornar.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

buscando

eu quero ser artista
escritora
poeta
cantora
curadora

e não um ser triste
empacado

eu quero caminhar
e seguir
e rir
gargalhar

eu quero fascinar-me
com o mundo
e não sentir falta
de quem não está aqui
e nunca esteve

eu quero o colo
e o amparo
que não ouso pedir
no receio de não receber

eu sigo
buscando
o dia
em que aprenderei
a lidar
sem me paralisar.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

eu sou vida e perfeição

haverá um dia
no qual eu vou
desencarnar

e seja qual for o jeito
final
pouco importará

haverá um dia no qual
meu espírito vai desprender-se
deste corpo material
vai elevar-se
e vai descansar

haverá um dia
no qual o prazer sensorial
do mais complexo ao mais banal
cessará

haverá um dia no qual
meu corpo será
matéria inerte

eu não temo esse dia
tampouco o desejo
sobretudo não o temo
posto que um dia chegará
posto que "somos seres espirituais
vivendo experiências humanas"

neste dia, quando chegar
o que realmente quero
o que realmente espero
é ter deixado um legado de amor
na terra

o que realmente quero
é que a identidade de Giovana
tenha sido mais do que um ego
e tenha sido uma alma que fez mais
do que existir
e sobreviver

o que realmente quero ter deixado
são corações mais aquecidos
pela compaixão
e empatia

haverá um dia no qual irei desencarnar
e para quem as lágrimas serão inevitáveis
espero que haja ombros e vozes a lembrar
que há um outro lado

haverá um dia no qual serei luz
resplandecente; iridescente
pura energia
circulando pelo astral
por todos os jardins, hospitais e as mais belas paisagens
da cosmologia sideral

eu não temo este dia
e tampouco o desejo
faz apenas um ano
que deixei de desejá-lo;
um ano em que tatuei meu peito
com um "choose life"

eu não temo nem desejo
uma partida precoce mais
sem apego e sem medo
quero celebrar o hoje
e tudo que virá

que minhas mãos criem
que minhas palavras curem
que meus braços abracem
que meus lábios cantem

que assim seja
e assim é.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

cálido

amor é
preocupar-se com o aquecimento
do corpo
e da alma
do outro.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

2.4

faz dois anos
e quatro meses
que escrevo
para ele
ou sobre ele

faz dois anos
e quatro meses
que amo igual
ou exponencialmente
nunca murchou
nunca regrediu

dois anos
e quatro meses
e eu só quero
poder andar
lado a lado
sem temer
mais um adeus

muito

eu escrevo muito
falo muito
penso muito

eu penso muito
sinto muito
sinto tudo
junto ao mundo

eu sinto muito
para todos os lados
somando os fatos
juntando os laudos

eu sinto muito
por ser assim tão eu
apesar de tudo
apesar de muito
apesar das flores

sábado, 16 de agosto de 2014

Elena, filme - resenha, reflexões, saudades

Acabei de assistir ao filme brasileiro Elena. É um filme autobiográfico da diretora, Petra. A irmã de Petra, a supracitada Elena, era atriz e suicidou-se aos 20 anos.

O filme é lindo, absolutamente lindo. Suspeito que a Petra Costa tenha aspectos no mapa em libra ou uma Vênus forte - o filme é de uma delicadeza sublime. A fotografia é linda. A narração é linda. A trilha sonora é linda.

A história, posto que é verdadeira, é linda de um jeito profundamente pungente.

"As memórias vão com o tempo. Se desfazem. Mas algumas não encontram consolo. Só algum alívio nas pequenas brechas da poesia. Você é a minha memória inconsolável, feita de pedra e de sombra. E é dela que tudo nasce, e dança."

Eu vejo um filme assim tão bonito e doloroso, com depoimentos tão sinceros da Petra e da mãe dela, e choro. Eu sou capaz de ter uma boa dimensão da dor dessa perda e da imensidão do peso e das lacunas.

A minha mãe se suicidou. Tal como Elena. E assim como é muito difícil enterrar a mãe com um fim desses, eu só posso imaginar o quão difícil é enterrar a filha. Ou irmã.

Eu pensei durante o filme que minha mãe merecia uma homenagem em forma de obra, também. Talvez um livro, no futuro.

Elena é um filme lindo. Mas foi muito fundo em mim. Porque eu não só perdi minha mãe. Eu também quase me suicidei depois, quase estendi esse ciclo de dor para o  meu irmão e amigos. A minha empatia é tanto para com Petra e a mãe dela quanto para com a própria Elena. Eu entendo desse vazio escuro que parece que jamais, jamais passará.

Felizmente, eu não só sobrevivi como estou nesse momento vivenciando uma mudança muito grande no meu jeito de processar as dores. Felizmente, e sou muito grata a isso, a espiritualidade, as pessoas e espíritos que tem atuado nesse meu desenvolvimento tem mudado muitos paradigmas no jeito que eu enxergava o mundo.

Eu sinto falta da minha mãe, eu sinto muita falta mesmo. Eu queria poder abraçá-la, eu queria poder levá-la para ver filmes, para comer fora, para provar minhas comidas. Para ler meus poemas. Para ver como meu gato está grande e gordo. Para  ver que eu talvez me torne uma mulher bonita, mesmo com acne. Mesmo com as cicatrizes.

A Petra fez um filme lindo sobre a saudade dela. Sobre o quanto essa falta imiscuiu-se na subjetividade dela. Na história dela. No jeito dela ver o mundo.

E é isso uma das coisas mais bonitas desse filme: É sobre a saudade, a falta e os efeitos da falta. Mas é um filme da Petra sobre a Elena. E com toda a dor que a Petra deve sentir, ela construiu uma coisa linda. Mais do que sobreviver, ela fez arte. Ela fez da sensibilidade dela uma ótica delicada para enxergar as coisas. Ela criou.

Gratidão, Petra Costa, por me lembrar que por enorme que seja a saudade, a melhor homenagem que podemos prestar é seguir.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

amay-vos uns aos outros

para May Faccimundo

do amor fiz o combustível
para todos os meus dias
outrora já fiz da dor
mas parei no caminho
a dor é um combustível ruim
alimenta mal o corpo
adoece a mente
aprisiona a alma
do amor fiz meu combustível
e aprendi que quanto mais se doa
mais se tem
paradoxo divino
da humanidade
outrora pensei
que a humanidade era toda torta
não por me ver muito especial; mas também me odiava
hoje cerco-me
de seres que me convencem todo dia
do contrário
há amor
e onde há amor,
há vida,
esperança
e cura
onde há amor há saúde e paz
onde há amor há gratidão
e a deusa em mim
reconhece, abençoa e ama
a deusa em você.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

gramática ii

dizer que te amo
é quase eufemístico
tal como espíritos que encontram
dificuldade
de comunicar-se conosco
pela precariedade
de nossa linguagem
meu amor por ti
não encontra tradução exata
transposição
adequada
nessas meras palavras

é sinestésico
e universalista
como nós

mostrar-te-ei com meus atos
a força e o poder
destes nossos laços
tão sinceros
e atemporais.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Agosto

- O que é morrer pra você? - Eliane disse, sentada na grama sob uma árvore.
- Uma trip? - respondeu Marcos, sob a mesma árvore.
- Mas para onde?
- Não sei. Importa?
- Claro que importa, Marcos! Não te dá um desespero pensar que a vida é finita? - Eliane arregalou os olhos e arrancou graminhas do solo como que para enfatizar a gravidade da pergunta.
- Na verdade... não. Eu nem penso muito nisso, sabe? E depois... a morte não é a certeza inexorável para todos nós? Eu fecho com Pink Floyd, "I am not frightened of dying, any time will do, I don't mind. Why should I be frightened of dying? There's no reason for ir. You've gotta go sometime."
- Tu realmente pensa que é simples desse jeito?

Eliane tinha 19 anos e cabelos escuros, chanel. Havia concluído a escola e prestara vestibular para Audiovisual, sem êxito. "Mas não estudou, queria o quê?," dizia Marcos.

Marcos tinha 24 e fazia Antropologia. "Maconheiro", dizia Eliane.

- Eu sei lá se é simples desse jeito, mulher. Eu nunca morri. - Marcos fechou o livro que estava lendo.
- Me surpreende como isso não é uma questão pra você.
- Veja bem. A minha opinião muda o desfecho? Não. A tua ansiedade muda o desfecho? Não. Isso tá além de nós.
- Você acha que existe um deus, Marcos? - Eliane colocou a mão sob o queixo.
- Não sei. Se existe, nunca senti. Então nem me grilo com isso também.
- Eu queria que houvesse, sabe? Deve dar um conforto simples.
- Conforto simples e cálido ou conjunto de dogmas castradores, depende, né.
- Ah, acho que fé e religião são coisas distintas.
- Não nego, fia, sou aprendiz de antropologista afinal, né? - Marcos sorriu.
- Nhenhenhé. E eu sou aprendiz de vida loka. Mentira. Tenho só contemplado a vida, ultimamente.
- E tem aprendido muito?
- Mais ou menos. A gente aprende um bocado observando, mas depende do quanto nos deixam entrar no universo alheio, né? - Eliane suspirou.
- Cê tá apaixonada, Eliane?
- Sim...
- Eita. E por que parece tão melancólica?
- É por uma mina. E eu acho que ela é hétero.
- E se for? Vai que ela abre uma exceção! - Marcos ensaiou uma cosquinha na barriga de Eliane.
- Seu comédia. Eu tô triste, véi.
- No final esse papo todo de medo de morrer é porque cê tá inlóvi, né?
- E o que uma coisa tem a ver com a outra?
- Bom, depende. Acho que o medo de morrer é humano. Acho que as religiões tem um papel essencial nisso. Elas preparam as pessoas pra morte, prometendo céu, reencarnação, descanso, ou no mínimo ritualizando a despedida dos seres queridos com quem vai.
- "Quem fica é quem sofre", diz a Ellen Oléria.
- Ou quem vai, vai saber? Mas voltando a minha teoria, amar dá uma pulsão de viver muito grande. Tem num livro que eu gosto, deixa eu pegar aqui... - Marcos abriu um caderninho em sua mochila e recitou - "Por que queremos viver para sempre? Porque desejamos que o dia de amanhã nos traga alguém que amamos. Porque queremos conviver mais um dia com a pessoa que está ao nosso lado. Porque queremos encontrar alguém que mereça nosso amor, e que saiba, por sua vez, amar-nos como achamos que merecemos."
- Que coisa linda. Eu nunca tive isso.
- Pouca gente tem, eu acho. Muitos relacionamentos são a mistura de duas crianças feridas com medo da solidão, as projeções de traumas de família, as carências. É uma dança meio triste, e o sexo vira válvula de escape.
- Pelo menos isso também acho que nunca vivi. Acho que vivi meio na superfície. Mas queria que fosse diferente com a Marina. Se ela não for hétero.
- O fato é que enquanto há vida, há esperança. Há tentativa e erro, há recomeço. Cê tá toda bolada com a morte, mas cê tem só 19 anos e a tendência é que isso demore. Enquanto isso, por que você não zela mais por cada dia? Por cada momento?
- Como agora?
- Como agora.

Se abraçaram. O cheiro um do outro evocava a amizade antiga e a confiança sincera, o tipo de confiança que se tem quando não se tem nada a perder, quando o medo do efeito de uma pessoa no seu universo individual cessa com a intuição de que aquele ou aquela só tem a agregar.

- Obrigada por ser meu amigo.
- Obrigada por gostar das minhas tentativas de te ajudar.
- Ajuda sim. Juro.
- Você me ajuda também, existindo, e quando eu verbalizo coisas pra ti eu às vezes percebo que servem pra mim também.
- E o que você conclui desse papo?
- Que bom que eu não tenho 19 anos e não sou desse seu signo horroroso de áries - riu Marcos, tomando uma livrada na cara.
- Muito melhor mesmo ser capricorniano!
- Claro que é, eu não sou seu poço de estabilidade saturnina? Minha filha, eu sou o oráculo de Cronos na sua vida.
- Prepotente...
- Linda! Maravilhosa! Deusa do fogo!


perdões

eu que tanto resvalei no erro
não posso julgar a ninguém
acolher é minha senda
o perdão é meu jardim zen

eu que tanto já errei
devo de ter acertado algo
e fui perdoada também

eu que falhei como humana
e insensata adolescente
agora escolho retificar-me
e faço diferente

eu que ferida sempre tive de seguir
hoje escolho curar-me e me firmar
amar sem deixar de sentir
confiar sem deixar de sentir
hoje, tudo que me pesou
eu escolho deixar ir

eu que busco um caminho
agradeço por ele ter me levado a ti

gratidão, meu amor.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

gramática

"para sempre" é
locução adverbial?
hipérbole?
metonímia da parte pelo todo?
artigo possessivo?
se o amor te parece
maldição
permita-se a bênção
de transcender e vencer
o apego
que é pura ilusão.

terça-feira, 29 de julho de 2014

espaços

estou ao seu lado
quando as luzes apagarem
quando a nova era chegar

estou ao seu lado
no plantio, na colheita e no feitio
minha mão estará ao alcance da sua
nunca mais para conter seus movimentos
mas para ampará-lo
quando você quiser
estar comigo.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

circunscrito

por tanto tempo
temi nunca
te conhecer de fato

hoje acho que
te conheço há eras
e amo
o que meus olhos vêem.

domingo, 27 de julho de 2014

Eparrei Iansã

Juliana tinha 8 anos e um padrasto alcóolatra e uma mãe simultaneamente genial e louca. Juliana tinha aquela doçura que demora muito a achar seu lugar no mundo. Se encontrava na literatura. As palavras a acolhiam. As crianças de sua idade, não.

Juliana era melancólica até os ossos. Sua mãe dava a ela bifes de fígado achando que ela era anêmica. Não era. Noutra ocasião, lhe deram vermífugo. Também não fez diferença. Ela só era meio inerte. Por fora. Por dentro, sua mente sempre borbulhou. Dolorosamente.

Juliana se sentia profundamente só. E não sabia lidar com aquilo. Queria compartilhar o universo dela com alguém. Havia feito isso com sua mãe com muito êxito até o momento em que aquilo se tornara muito raro, pois seu padrasto monopolizava a atenção de sua mãe.

Juliana queria sumir. E um dia, ouvindo falar que o final do arco-íris levava a um pote de ouro, resolveu segui-lo. Achava improvável. Contudo, precisava crer em algo. Pegou um ônibus que a levou do outro lado da cidade. Desceu numa praia que nunca tinha ido, embora tivesse crescido naquela ilha tão famosa por seus pontos turísticos. E andando andando andando chegou no topo de umas pedras à beira-mar. E ficou fixada olhando para as ondas bravias que se explodiam contra as rochas. E pensou que se caísse seus ossos se esmigalhariam e doeria tanto. E ela estava tão cansada da dor.

Juliana começou a chorar silenciosamente quando um ser de uns 30cm deu um pulo detrás de uma pedra e falou com ela.
- Você está bem, minha criança?
- Quem é você?! Você é um gnomo?
- Não exatamente. Essas mitologias de vocês são meio incertas. Eu sou um elemental, minha pequena. Eu sou uma sílfide, meu nome é Alisê, e minha senhora é Iansã.
- Eu não entendi nada do que você disse, Alisê, exceto pela parte de Iansã... Iansã não é Santa Bárbara, a guerreira?
- Você é muito perspicaz, minha criança. Quem lhe disse isso?
- Minha mãe - Juliana olhou para o lado, magoada.
- E é ela, em grande parte, a razão de você estar chorando, tão sentida, aqui hoje, né, minha filha?
- Como você sabe disso? Aliás, como eu posso saber que você é real?
- Eu sei de muitas coisas. E, sobre saber se eu sou real... é uma pergunta muito pertinente, mas veja: Se eu sou uma criação do seu cérebro, se dentre todas as possibilidades existentes, ele me criou assim, deve de haver uma razão, não?
- Faz sentido, Alisê. Ah, eu tô tão cansada...
- Eu sei, minha pequena. E sei que você ainda vai penar muito pra encontrar seu caminho. Eu queria que não precisasse ser assim, mas eu não posso trilhar seu caminho por você. Só você pode trilhá-lo. O que eu posso, e vou, é andar contigo, junto, ao teu lado, ainda que você não me veja, te protegendo, guiando e amparando, na medida do máximo que eu puder segundo as leis divinas.
- Divinas? Há um Deus, então?
- Sem a menor dúvida. Embora eu saiba que você duvide tanto disso, e talvez ainda duvide por um bom tempo. Mas na hora certa, Ele, ou Ela, ou eles e elas, toda a falange do bem, do amor, da prosperidade, da compaixão, da serenidade, da pureza, da verdade, serão uma verdade inquestionável na sua vida. E adentrarão em sua vida para nunca mais sair.
- Você promete?
- Eu prometo. Eu prometo que dias melhores virão. Eu prometo que sua esperança não é vã e nem será gasta à toa. Eu falo do que sei, minha criança. Creia. Creia e siga. E agora preciso ir.

Alisê desapareceu e Juliana sentiu uma brisa leve e aroma de alecrim. Tudo parecia um sonho, e, de alguma maneira, parecia muito verdadeiro. Juliana seguiu, tropeçando, por muito tempo. Até a hora em que tudo cumpriu a promessa doce feita.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

mais um dia

como arroz integral com limão
e sorrio
pela sua existência.

eu amo e abençoo o amor em minha vida

todo dia agradeço a Deus
pela comida em minha mesa
e o amor em minha vida
todo dia agradeço a Deus
por ter um bom emprego
e por cada bênção que recebo
todo dia agradeço a Deus
pelos amigos que me honram
a saúde que tenho plena
e, mais uma vez
posto que é meu maior tesouro
pelo amor em minha vida.

terça-feira, 22 de julho de 2014

amar é devoção

não me arrependo
de nada
que te dei
e por mim sigo dando
a vida inteira
até meu suspiro final

amar pra mim é devoção
e compromisso
é firmamento reiterado
de estar ali ao lado

e se for pra ser, será
se for pra ser, será
desde a aurora dos tempos imemoriais
eu tenho te buscado
eu tenho te procurado
eu te procurei por eras,
meu santo amor

desta feita
espero que o reencontro seja pleno
de significado
onírico
sutil
sereno

desta feita
espero que você fique

do contrário,
te vejo no lado escuro da lua
te vejo do outro lado
te vejo no astral
nas minhas mirações
nas minhas orações
te vejo em minha alma
te vejo em Deus.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

sinestesia

teu cheiro me evoca
o gosto doce
de acolhimento

ora ie ie o

para Mari Silva
 
sou poeta, sou menina
intentando ser mulher

sou cometa, sou indígena
e abençoo a flor do bem-me-quer

sou rastro de lua prateada
sou Oxum risonha e dourada
sou sã, sou firme e forte
amorosa e guerreira
com as armas de São Jorge

sou mutável, sou resiliente
tenho a coragem doce e impetuosa das sobreviventes

sou rezadeira e creio no amor
e que ele me abençoe e cure por onde for.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

atma

amei-o por sua centelha divina
antes mesmo de entender
que a reconheci como tal

um amor tão grande
só cabe em mim
porque transcendeu meu coração
meu corpo, minha carne
meu ser
elevou-se no infinito
e estendeu-se por toda a criação

está no sol cálido que aquece meus dias
está nas flores de Maria
e em cada fragmento de memória
está na vivência cotidiana
no profundo disfarçado de trivial
está na floresta, na cachoeira, nos rios
está na lua cheia, nas estrelas, meteoros
está em tudo de elevado que se sente
e em cada coisa iridescente
que remonta ao meu bem querer.

"se um dia me abandonares
luz terna dos meus amores
hei de esperar-te, entre as flores
da claridade dos céus."
- Emmanuel

sábado, 31 de maio de 2014

seguir em paz

na transitoriedade
impermanente
que cabia
no possível
eu escolhi você
e você não me quis;
eu quis insisitir
em segurar sua mão
e você foi firme
em não seguir
e eu segui

pelas alamedas estreladas
com a luz de meus próprios bem-quereres
que não você.

eu tenho a poesia
eu tenho o amor
eu tenho a luz
eu tenho a fé
eu tenho a compaixão
eu tenho a caminhada
embora eu não tenha você.

e eu não pude
mudar o que era
pois tudo é
como tem de ser
e mesmo agora
eu não posso mudar
o que não sei como
mudar

o que eu posso é ser
ser livre
ser luz
criar
meu universo
multicolorido
de bem-aventurança
como meio libriana
eu gosto do que é lindo
como meio canceriana
eu gosto de abraços
e como eu mesma
eu gosto da minha paz
e eu me basto no calor da minha senda
e eu faço bichinhos com as mãos
na frente de uma lanterna
lançando luz
para brincar
com as sombras das ausências.

sábado, 24 de maio de 2014

Beija-flor

Um beija-flor uma vez se fixou por uma flor que não dava néctar. E ele fixou-se. Fosse humano, chamariam de paixão. Fosse budista, diriam que era apego. Diriam que ele queria tirar leite de pedra. Ou néctar da flor inadequada.

O beija-flor percebia que aquela flor não dava néctar. No início, recusava-se a ver. Agora, não era possível mais não enxegar. Ele via. E, vez e outra, vezenquando, tentava buscar néctar nas flores que poderiam efetivamente nutri-lo. Contudo, nutriam só o corpo. E de forma parcial, incompleta. O beija-flor ficava triste, triste. Sentia que não lhe bastava estar com a barriga cheia. Parecia até que ela pesava demais cheia.

O beija-flor rondava a flor que não dava néctar diariamente. E não entendia porque havia ficado tão fixado justamente na flor que não dava néctar. Na flor que, a despeito de todo seu esforço e insistência, provavelmente jamais daria néctar por sua própria natureza. Não era culpa da flor, o beija-flor bem sabia. Mas doía. E ele, tão fixado. Tão fixado em algo que não poderia nutri-lo, e não seria a nutrição uma parte fundamental daquele tipo de relação?

A flor era demasiadamente bonita. Imponente, altiva. Possuía um belo degradê de cores, entre azul ultramar, índigo e violeta. Era realmente muito bonita. Talvez por isso o beija-flor gostasse tanto dela. E isso não mudava, mesmo assim, o fato que que a flor era inalcançável pra ele. E que existiam flores quase tão bonitas que poderiam nutri-lo. E ele não conseguia nutrir-se delas. Embora elas parecessem apreciar o beija-flor. Poderia ser mutualismo, mas não foi. Poderia ser protocooperação, mas não foi. Entre o beija-flor e as outras flores, foi comensalismo que ele interrompeu antes de virar amensalismo. E o amor deveria ser protocooperação, mais que mutualismo.

O beija-flor resolveu dedicar-se só a sua flor índigo-ultramar-violeta. E ela, ora constrangida, ora lisonjeada, ora impaciente, o tolerava. Sem porém nutri-lo. E o beija-flor foi definhando, definhando. O beija-flor de voz aguda e doce começou a cantar canções tristes sobre as flores. O beija-flor foi ficando mais cinza e mais introspectivo.

Um dia, um homem imediatista viu a flor índigo-ultramar-violeta e a colheu para dar a sua amada. A flor morreu 3 dias depois, e a amada a colocou entre as páginas de um livro para que secasse. Quando terminou o relacionamento, a amada jogou fora o livro e a flor.

O beija-flor nunca mais viu a flor. E começou a cantar sons sobre o amor que ia além de ver. O amor pra dentro, que insistia em não morrer. E resolveu cantar sons mais alegres e deixar-se tomar pelo afeto rico da vida. E o beija-flor cantou até o último dia de sua vida a beleza das coisas que eram, ainda que ele não pudesse tê-las. E a beleza das coisas permaneceu mesmo depois que ele partiu. E o beija-flor cantou na mansão do Eterno.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

caleidoscópio

eu queria te dar
todas as coisas bonitas do mundo
eu queria ter dinheiro pra te levar
por vales montanhas cordilheiras
centros de luz trilhas cachoeiras
cafés museus monumentos
queria te dar
todos os sons bonitos do mundo
a cadência o crescendo a melodia
a harmonia
queria te dar
todas as coisas bonitas do mundo
queria te dar o sol a lua as estrelas
queria ser luz e teu universo alumiar
eu queria te dar todas as coisas bonitas
do mundo deste plano
do astral
e eu queria
que você achasse o meu coração
a coisa mais bonita de todas
como eu achei o seu
como eu achei o seu.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

eu quero me curar do apego

você é o tchau que vem cedo demais
você é o tchau que veio cedo demais
ciclicamente
e eu não sei lidar
vez após outra
ainda não aprendi a lidar

eu quero
me curar do apego
eu quero
me curar
do apego
eu disse
ao chá
ao sacramento
e doeu tanto
encarar
mas eu ainda
não aprendi
a lidar.

sábado, 17 de maio de 2014

sonho

ele é como um sonho
tão bonito
e tão denso
quanto leve
e tão fúnebre
e tão eterno
quanto célere

breve, breve
transitório
e no entanto
permanente?
seria ilusório
ou seria imanente?

um sonho bom
daqueles em que tudo
diz muito

um sonho tão intenso
em beleza
quanto em momentos terríveis
e no entanto
quando  o despertador tocou
sobressaltei-me
senti-me arrancada
das entranhas
de mim mesma
dos recônditos escuros
dos becos das grutas
do âmago da doçura e da pureza
e da doída amargura

um sonho
tão meu
um sonho
mais meu
do que dele
e acho
que sonhei só
então talvez
faça sentido
acordar só
todo dia.

(a face que pra mim refletia
a beleza de deus no sol
e a beleza da deusa na lua
a face que pra mim refletia
o relâmpago com sua beleza luzidia
a face que pra mim refletia
o poço profundo sagrado do que eu amava
e temia
a face que pra mim refletia
o espelho quebrado onde procurei
algo que eu própria não tinha
e obviamente não encontrei
e quando encontrei a mim mesma
comecei a aprender a parar de fugir
sentir e me firmar

no que eu posso conduzir
pra me curar me salvar me limpar
e seguir
até que eu encontre
quem me faça desistir de seguir contigo
pois por mais bonito que soe
o sonho
o despertador tem tocado
insistentemente
e quanto mais doloroso eu torno
o processo de acordar
mais longe estarei eu do dia
em que acordarei

mas sem me lamentar
perfeitamente satisfeita na minha cama aquecida
com meu próprio calor
em vez de sentir
toda
essa
saudade
do seu.)

Ptolomaica

- Eu gosto de poliedros.
- Eu gosto de vértices.
- Eu gosto de arestas.
- Ah, disso eu não gosto.
- Por quê?
- Acho que pela expressão "aparar arestas." Me traz a sensação de perdas.
- Eu não gosto de perdas.
- Nem eu. Quem gosta? Mas a gente aprende a lidar. A ressignificar. A sobreviver. A coexistir. A recomeçar.
- Eu gosto de ressignificar. Eu gosto da ideia de que "todos os fenômenos são vazios em sua essência".
- Eu gosto de budismo.
- Eu gosto de umbanda.
- Eu gosto de meditar.
- Eu gosto de rezar um terço.
- Voltemos aos poliedros. Eu gosto de geometria.
- Eu gosto de matemática.
- Eu gosto de astronomia.
- Eu gosto de astrologia.
- Eu gosto de Ptolomeu, das dignidades e debilidades planetárias.
- Eu gosto de astrologia moderna.
- Aí já é vandalismo. Ptolomeu era de Alexandria. Eu gostaria de Hipátia, mas os homens a mataram.
- Os homens matam demais. Não gosto disso.
- Nem eu. Eu gosto de estar viva.
- Eu também. Eu gosto de buscar.
- Eu gosto de achar.
- Eu gostaria, mas ainda não achei. Eu gosto de caminhar
- Eu gosto de você.
- Eu não. Sinto muito.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

senda

na senda do amor
sou rainha
sem rei algum
tampouco outra rainha
reino só
em meu trono de ouro
meu império de gatinhos
livros
comidas
poesias

nesta senda, neste reino
eu não temo e não receio
não ser o bastante pra alguém
eu não temo, nem receio
minhas lágrimas serem indecorosas
eu não temo e não receio
que algo seja um problema
senão for  pra mim mesma

nesta senda, neste reino
eu impero e governo
segundo meu bel prazer
segundo meu humor
ou segundo minha dor

nesta senda do amor
eu tenho caminhado só
ora feliz, ora chorosa
contudo, livre
pra ser
o que eu quiser
ou conseguir
dia após dia
até que a melhor versão de mim mesma
encontre alguém que eu ache
à altura também.

(pois quem encontrei
não deve de ter sentido o mesmo.)

quinta-feira, 8 de maio de 2014

agasalho

banho quente
roupas quentes
cobertores
para sentir-me aquecida
e menos só

estou tão cansada
e não sei se é do dia cheio
dos exercícios
ou de chorar.

terça-feira, 6 de maio de 2014

sobrevivente

e quando eu me sinto tão mal quanto me sinto
ao menos tenho o consolo
de estar viva
e ter lavado louça hoje

é exatamente todo esse esforço
que me deixa cansada quase de forma perpétua

eu queria descansar
e não há horas de sono o bastante
para descansar de ser eu mesma
e de sentir tudo tanto o tempo
todo.

domingo, 4 de maio de 2014

O Peixe

"Eu sou daime, eu sou amor
A estrela que vem chegando, ela vem me iluminando na estrada do amor"
https://www.youtube.com/watch?v=wYTT_czUVBY

Tem coisas que são tão lindas, tão lindas, que parece que me doem um pouco. Essa música é uma delas.

Esta, de Oxum, em iorubá, é outra: https://www.youtube.com/watch?v=eSxEZBzgJ10

Outra é essa aqui: O Peixe.
https://www.youtube.com/watch?v=eSxEZBzgJ10

Um dos autores dessa música era um baixista por quem minha  mãe foi apaixonada. E eu amo essa música. Ela tem um crescendo maravilhoso. Parece que vai florescendo, crescendo, sinuosa, errante, mas certa, vibrante, rítmica, viva, viva, dentro de mim e chegando num ápice tão lindo.

E aí, às vezes, eu choro.

Esse ano, eu estava voltando do trabalho quando ouvi uma música ao vivo em uma das ruas e resolvi atravessar para ouvir mais de perto. Bati o olho no letreiro: Guinha Ramirez, que havia sido amigo da minha mãe e um dos membros dessa banda. E, na sequência, começaram os primeiros acordes de O Peixe.

E eu chorei. Chorei. Chorei. Na frente de todo mundo, dos músicos que ficaram espantados com minha reação, do próprio Guinha, que não me reconheceu, pois provavelmente tinha me visto pela última vez quando eu tinha uns 7. E hoje eu tenho 19.

Minha mãe tatuou um peixe dourado na nuca por causa dessa música (ou desse músico). O peixe foi inspirado na capa de This Desert Life, do Counting Crows. Outra banda que ela amava. Outro músico que ela admirava.

E eu um dia me tornarei música. Canto bem, toco mal. Escrevo bem. Amo bem.

Uma vez, em 2011 ou 2012, minha mãe foi me ver, e ela estava muito, muito triste. E disse-me que pedia desculpas por ter me colocado no mundo (eu sempre disse que ela devia se desculpar por isso), que havia sido um ato de profundo egoísmo para fugir da solidão, mas que havia funcionado, porque eu era a pessoa mais parecida com ela no mundo.

E ela também era a pessoa mais parecida comigo.

Sinto saudades. Tem dias que é doce, tem dias que rasga. Nesse exato momento, adoça mais do que rasga. Mais tarde, não sei.

Por mais de um ano, essa lembrança dela dizendo que pedia desculpas me atormentou, porque ela finalizou esse diálogo dizendo que esperava que um dia eu encontrasse um lugar para mim, porque ela nunca encontrara.

E por Deus, como isso me destruía. A dor de saber que ela passou 53 anos neste plano sem sentir que tinha encontrado seu lugar, a dor de eu aos 18 ainda não ter encontrado e ter perdido totalmente as esperanças de encontrar. Eu achei que acabaria como ela. Por diversas vezes, tive certeza.

Já não acho isso. Acho que há sim lugar no mundo pra mim, embora eu ainda precise achá-lo. E acho, também, que viver de um jeito são, honesto, limpo, amoroso e artístico é um tributo muito mais adequado ao meu amor por ela do que segui-la precocemente, violentamente. Prefiro mostrar minha lealdade honrando o que ela acreditava.

Que minha vida seja um tributo à sua memória, a gratidão que tenho a ela por ter me posto aqui, e a Deus por estar me dando as oportunidades de curar-me. Às vezes sinto tristeza por querer que ela desfrutasse disso, da cura, do poder de uma comunidade espiritual amorosa. Contudo, ela dizia que a melhor forma de agradar uma mãe era ser gentil com os filhos. Que de alguma forma meu bem-estar a nutra, do outro lado. Sinto saudades da minha mãe Maria. Ela rege o meu astral.

Como diria Saramago, "Encontramo-nos noutros sítios."
E como diria Guimarães Rosa, o escritor preferido dela, "Qualquer amor é um pouquinho de saúde, um descanso da loucura."

Que meu amor nos cure a ambas. Que Deus te embale até nosso reencontro. Que mamãe vá em paz e possa retificar-se na próxima. Que descubra a fagulha divina dentro de si.

Que mamãe seja luz. Como, no fundo, sempre foi pra mim.

sábado, 3 de maio de 2014

gratidão II

ser
é a melhor coisa que já me aconteceu

eu diria que a segunda foi ser
na graça do Eterno
porém são bênçãos
indissociáveis

sou um livro aberto
e lindo.

monogamia

quanto mais conheço pessoas
mais sinto sua falta
quanto mais conheço pessoas
mais penso
"eis uma oportunidade inexplorada

...que preguiça
não vale o que custa"

que saudade

sexta-feira, 2 de maio de 2014

fora de lugar

eu tentei me enforcar
eu tentei tomar
uma porrada de fluoxetina
que era dela

eu tentei me enforcar
eu parei de tentar
eu quis o acolhimento dela
mas não tive de fato

ela tentou tomar chumbinho
ela conseguiu tomar chumbinho
ela foi

eu fiquei
eu tentei alugar um quarto de hotel pra pular
eu tentei injetar vaselina na veia
eu tentei tomar
uma porrada de venlafaxina
que era minha
tive uma crise de ansiedade fabulosa
mas não deu
eu fiquei
eu fiquei
ela foi, eu fiquei
eu tô aqui
e tem dias que dói muito
tem dias que dói demais
tem dias que massacra
mas eu tô aqui
eu fiquei.

(inspirado por weltschmertz, disponível aqui http://fundodocopoprofundo.blogspot.com.br/2014/04/weltschmertz.html?showComment=1399068914293#c1351038815734675771)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

abstrações

escrevo
exaustivamente
incansavelmente
sobre o que ainda não aprendi a superar

e escrevo
verborrágica, desesperada
ora desnuda, ora tácita
"arrebento a alma no papel"
ou na tela
para depois passar os dedos de leve nos cortes
e constatar que parecem sangrar menos após o exercício
de expurgo

escrevo
para expiar
ora escrevo para celebrar a vida
ora escrevo porque não a suporto
escrevo sobre o que amo
e sobre como queria parar de amar
ou sobre a diferença entre amor
e apego

escrevo
porque sinto muito
e pra não pirar
nem repetir para os meus amigos as mesmas coisas
de sempre
escrevo, escrevo

as palavras sempre me foram mais familiares
acessíveis
e terapêuticas
do que a vida

escrevo pra não morrer
e pra viver
parece redundante
ou hiperbólico
mas a um exame mais atento
há um bocado de literalidade aí
e de coexistência
alternância
de sentimentos

escrevo
e bendita seja a literatura
prosa e poesia
minha alfabetização precoce
e minha mãe intelectual
pois sei que a escrita
nunca me faltará
nunca me falhará
caio f. dizia que escrever
era como meter o dedo na goela para vomitar
e que tinha de sangrar
a-bun-dan-te-men-te
cada um que escreva como queira
mas eu também escrevo assim

sagradas as palavras que transmutam minhas angústias
em algo mais fácil de lidar
mais claro
mais belo
ou talvez
só um pouco mais externo

minha obra é repetitiva
na medida em que são repetitivas minhas angústias
minha obra é criativa
na medida em que preciso sê-lo para encontrar estratégias
minha obra é só minha
na medida que amei o que produzia antes mesmo de aprender a amar a mim.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

sensibilidade

pré-requisitos para um amor:
que respeite minhas lágrimas
e sensibilidade
sabendo que são a outra face da minha poesia
a outra face do meu amor pela vida
são parte do meu lado escuro da lua
quem amar o claro
deve aprender a amá-las também
dissociar seria violência simbólica
contra mim

sou inteira
não preciso de ninguém
que só me queira às metades
em pedaços
doses homeopáticas
de meu bem querer
amar mais que ser amado
é um preceito para a vida
mas amar a mim mesma
não pode coexistir com murro em ponta de faca
querendo o que não se pode ter

amar é deixar ir
e saber a hora
de fazer as malas e ir embora
em vez de sentar na cama e chorar
que eu chore nos meus próprios braços
porque se quero eternidade
que eu me firme no que sempre
estará dentro de mim
que eu viaje para dentro
porque buscar ao redor
é uma caminhada fadada ao fracasso
o apego é uma ilusão do ego
destinada ao insucesso
ao perceber-se que
tudo
é
transitório
se todos os fenômenos são vazios
como diz o Sutra do coração,
que eu faça meu coração vibrar
e ressignifique tudo para que vibre em paz.

Agudamente

- Sabe - ela disse, sorvendo um pouco de café -, eu não diria que "as pessoas" são boas nem que "as pessoas" ruins. Porque isso é muito vago. Mas eu diria que as pessoas se esforçam.

- Esforçam em quê? - ele disse, erguendo uma sobrancelha.

- Em sobreviver. Elas tentam, sabem, cada uma à sua maneira. - ela explicou, encolhendo os ombros.

- E ferem umas as outras no processo.

- Certamente que sim, mas não estou dizendo que isso justifique. Não acho que sobreviver se torne desculpa pra tatear às cegas sem se importar com as consequências dos seus atos. Justamente, viver demanda responsabilidade. Sobreviver demanda consciência.

- Eu concordo contigo - disse ele, gentil -, mas me surpreende que você gaste tanto tempo pensando em algo que pra maior parte das pessoas é tão automático quanto respirar.

- Como assim? - intrigou-se ela.

- Sobreviver... você realmente acha que a maior parte das pessoas filosofa tanto assim sobre isso?

- Sinceramente, eu acho - ela insistiu, parecendo um pouco agitada -. Não que elas necessariamente tenham consciência disso. Não sei se podemos chamar de "filosofar" em todos os casos. Mas acho que todo mundo tem uma pequena, ou enorme, angústia, dúvida, inquietação, dor, etc. etc., que adquire dimensões e formatos singulares pra cada um. Tolstói já dizia que "se existem tantas cabeças quanto são as formas de pensarem, há de haver tantos tipos de amor quanto são os corações". Acho que isso também vale para o fato de que cada um encontra uma forma de seguir. Pra alguns, filosofar de uma maneira deliberada sobre a vida poderia virar desespero, mas pode simplesmente virar alguma coisa muito preciosa que a gente tenta esconder por ser íntima demais.

- Como a arte? - ele sorriu.

- Como qualquer coisa, qualquer coisa que sirva. Contanto que não fira os outros.

- Sabe - o sorriso dele alargou-se -, eu gosto do seu jeito agudo de sentir as coisas.

- Então você já gosta de uma parte enorme de mim - ela disse, rindo, parecendo mais leve.

- Gosto, sim.

- Também gosto de ti. Talvez agudamente. - ela alertou.

- Tudo bem. Eu aceito.

- Obrigada.

- Não agradeça. Só chega mais perto.

- Chego.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

de longe

beije-me
com a doçura
de quem se importa
com minhas chagas
e não apenas deseja meus lábios

abrace-me
com respeito pela minha história
e compaixão pelos meus débitos

aceite-me
na medida que sou e ame-me
na medida em que és
não peço mais

mas se não quiseres nada disso
eu compreendo
e respeito
te amo de longe
e te amo pra dentro
se preferes
disfarço por fora.

terça-feira, 22 de abril de 2014

apego

"...you scream so well
you smile so loud
it still rings
in my ears..."

as pessoas
desenvolvem formas
jeitos
técnicas
de pararem
de amar
alguém
eu nunca
soube fazer
isso;
se escrevo
não é pra fazê-lo tampouco:
há um ano
escrevo aqui sobre o quanto o amo
se escrevo
é porque não devo
alugar os ouvidos de meus amigos
e dele próprio
sobre essa miríade de apego aqui
se escrevo
é pela veleidade de transformar esse apego
em - para corações gentis que ousem
considerar-me assim -
arte
se escrevo
é porque não sei deixar ir
ainda que queira e decida
meu coração recusa-se
e se mantém ali
preso
a quem nem mais o quer
se escrevo
é para que desta fraqueza
eu extraia força
eu organize meus pensamentos
e analise meus sentimentos
de forma a ancorar-me no que o amor
tem de forte belo divino incrível
sagrado
e re-ge-ne-ra-dor
se escrevo é porque quero ser livre e feliz
e às vezes até consigo
mas nem todo dia
e definitivamente,
em nem toda noite.

sábado, 19 de abril de 2014

viver é criar

contemplo o chão
mas caminho sobre ele
em vez de me jogar
ou tombar nele

contemplo o sol
e deixo-o aquecer minha pele
clara mas nem tão sensível
a ponto dele queimá-la
aquece apenas
e na grama sob o sol sinto-me em casa

contemplo o abismo
e extraio dele criação
extraio poesias
sons
e compaixão
porém desta vez não mergulho
além do necessário
há de se traçar uma linha
entre o artista que sangra
e o que morre de hemorragia
ambos valem muito
mas um não cria mais
e eu quero criar
e viver
e amar
e cuidar
e ser
e sorrir
e sentir
e vibrar
e sangrar
e recomeçar
mais uma vez
e outra, e outra, e outra, e outra.

na natureza selvagem - música

transformei um poema meu em som.


https://www.facebook.com/photo.php?v=658722890842378&l=8672003423203269074

há um lugar em algum mundo
em que a natureza é ainda mais bela
há montanhas e lagos
e o leão e o cordeiro pastam juntos
sem serem mortos pelo homem

há um lugar em outro mundo
em que a harmonia reina
onde jamais chegará a chaga da civilização
que rima com dizimação da gente da terra
e do reino dos bichos e dos animais

há um lugar em outro mundo
na natureza selvagem
na sua face de compassivo equilíbrio idílico* (esqueci de cantar esse trecho)
onde eu talvez pudesse descansar
e entregar meu corpo a ela
devolvê-lo a mãe terra
e ela o cobriria com suavidade maternal
e ancestral

esse lugar existe em meus sonhos
de olhos abertos
(ora marejados)
mas eu não posso ir para lá agora
seria violar as leis dessa mãe terra
mas lua após lua
e aurora após aurora
aproximo-me inexoravelmente dela
e estando aqui por ora me cabe laborar
"ter firmeza é ter amor"
e isso me sobra
até escorrer pelos olhos

me resta seguir
a caminhada solitária
nas aspirações mais nobres
como trabalhar pela libertação de todos os seres
(inclusive em minha própria)
ou ao menos tentar ser
o tipo de pessoa que alguém gostaria de conhecer num mau dia

minhas pernas bambas de cansaço
insisto em fazê-las caminhar
para que quando terminar
o dia derradeiro
eu possa orgulhar-me do meu saldo
devidamente arrependida e retificada
dos débitos

sexta-feira, 18 de abril de 2014

fragmentos II

Certa vez, Stella foi a um casamento - o mais lindo e atípico de todos os poucos que já tinha ido. Numa clareira. Pés no chão. Um xamã. Medicinas da floresta, a razão pela qual ela havia ido originalmente. Sem saber que haveria um casamento ali; foi surpresa. O casal: juntos há 23 anos, com uma filha, e um neto. Sem, contudo, uma cerimônia para celebrar os laços, até aquele dia.

No final da cerimônia, Stella, comovida, abraçou novamente a noiva e disse:
"Vocês me fazem acreditar no amor, mas, mais importante, que o amor que vale a pena, que vale ser compartilhado por uma vida inteira, é esse amor verdadeiro, que a gente reconhece quanto sente, e não algo medíocre que a gente já entra sabendo que vai acabar."
"Você está certa. E muita gente deixa isso passar, porque passa rápido, se dedica a outras coisas e perde."
"Espero que isso jamais aconteça comigo."

(não aconteceu)

*

- Você gosta muito dele, né?
- Sim.

*

- Eu sonhei com ele - ela disse -, eu sonho com ele frequentemente. Sonhei que ele me abraçava como se entendesse tudo que eu sempre quis que ele entendesse, e que me aceitava com o amor e a entrega sem reservas que eu aceitava a ele. Que ele beijava minha mão, minha testa e meus lábios e dizia que era grato por tudo que eu sentia e pelo que eu fazia ele sentir. Sonhei que a gente não brigava mais, só se respeitava e dormia lado a lado.
- Como acabava esse sonho?
- Assim: bonito, lembro-me exatamente da alegria e da esperança me irrigando com a possibilidade do recomeço em paz, porque já senti isso antes, sem estar sonhando. Acordei e chorei. Aí parei, comi um pedaço de bolo, sentei na sacada. Chorei mais um pouco. Mas não desfez o nó no peito.

*

- Ele gosta do que você escreve?
- Para ser sincera, eu não tenho certeza.

*

- Vocês pareciam muito felizes juntos.
- Não era mentira, mas também não era verdade. Exceto quando era. E quando era... era muito. Mesmo.

*

- Você vai superar.
- Eu queria acreditar nisso, mas duvido. Sonho com o dia que a vida prove que eu estava errada. Ou poder sentir algo de maior magnitude por outra pessoa e viver uma história nova. O problema é que eu não quis estar numa história em que eu amasse demais. E tampouco quero estar noutra em que eu ame de menos.
- Você quer muitas coisas.
- Eu só queria esquecer.
- A gente nunca esquece, pequena.

*

"há uma só presença aqui;
é a presença do amor
Deus é amor
que envolve todos os seres
em um só sentimento de unidade
este recinto está cheio da presença do amor
no amor eu vivo
me movo
e existo
quem quer que aqui entre
sentirá a pura e santa presença
do amor."

meus abismos são reflexivos

relacionamentos seriais há 4 anos
e uma parte de mim
sente falta de estar apaixonada
outra parte sabe que já estou
mas acho que qualquer tentativa minha
além deste ponto
violaria; seria forçada

uma parte de mim
sente falta de ser amada
outra parte
de desgastes, está saturada

uma parte de mim
queria um amor que me desse água
e beijasse meus pés cansados
outra parte
sabe que é mais fácil achar isso
do que achar uma alma
que verdadeira e totalmente me encante
como sei que já fui encantada

vênus em libra na casa 1
não sei viver sem amar
sempre desejei um dia casar
contudo, sabiamente ela me dizia
"a vida se apresentou assim"
a vida se apresentou assim
para mim

se não sou uma criança mimada
frustrada
emburrada
não posso portar-me como uma
não posso reclamar nem exigir
(posso chorar
 mas não consigo mais)

vou escolher meu canto
vou ficar quietinha e seguir
este espaço é meu
escrevo e exponho
o que rasga e consola
aqui posso dizer
que embora eu queira emanar paz
às vezes meu coração dói, sim
e muito
sangra
abundantemente
e por isso escrevo

escrever é a minha metáfora para sobreviver.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

de Gêmeos

ela fala com sinceridade
e não fala para ferir
isso nunca é falar demais

ela é doce como o sorriso dela
grande e bonito e claro
o tipo de sorriso
que remete a um lar
e a paz

frequentemente
acolhi mais do que fui acolhida
com ela
muito mais senti receber do que dar
e contudo
jamais senti-me cobrada
e isso é coisa
que só os grandes conseguem ofertar

ela é a companheira
de uma das pessoas que mais amo e sempre amarei
por toda a minha vida
alguém bom e íntegro
e também doce
e ela faz jus
ela é merecedora
de todo o bem
que haverá de encontrar.

boina azul

desnudei aqui esses versos
rasgados tortos sinceros
intensos pretensiosos
desesperados
doces, suaves
rítmicos

e ela gostou
entendeu
respeitou
sentiu, sobretudo

Lucia de luz
que iluminou meu sorriso
hoje
e aqueceu meu coração
pela graça de cativar & ser cativado
e se firmar no elevado
que encanta a ambas

Lucia me escreveu
e acho que poucas vezes alguém captou tão bem
o geist de minha alma

gratidão imensa a ela
e que continue luzindo sempre.

braços

revendo nossas fotos
de passagem naquela cidadezinha
noto que o abraço firmemente
tentei deixar de fazê-lo
mas meu âmago
continua a abraçá-lo
firmemente.
parece-me que nisto não tenho escolha;
cedo.
abraço, sim.
silenciosamente.

domingo, 13 de abril de 2014

O relógio de Sandra

Sandra se revirou na cama. Olhou para o relógio: 3:30. Cobriu os olhos com o antebraço. Céus. Havia se deitado à 1 da manhã. E acordada, ainda. Angustiada. Levantou-se para fazer um chá de erva cidreira. Chá de erva cidreira lhe dava o consolo de um lar acolhedor como nunca teve. Sempre exilada demais dentro da própria pele para que pudesse ser ajudada. Pensou em acender um cigarro, mas não havia cigarros. Tinha abandonado o cigarro. Embora gostasse de fumar. Mas em nome da saúde, ela pensou.

Andou até a cozinha e abriu o armário, pegou o pacote de chá, pegou o bule, lavou uma xícara e pôs a água para ferver. E aguardando o ponto de ebulição, perguntou qual seria seu próprio ponto de ebulição. Não de seu corpo físico (Sandra pensou que o google lhe responderia facilmente o ponto de ebulição de um corpo humano). O ponto de ebulição da alma humana. Haveria? Se houvesse, certamente variaria para cada indivíduo.

Pausa.

Sandra debruçou-se sobre a bancada, após colocar a água recém-fervida na xícara, posicionar o sachê de chá dentro e cobrir com um pires. Andou até uma cadeira, sentou, encolheu-se. Tanta. Coisa. Há. Tanto. Tempo. E ainda tão perdida e cheia de dúvidas e de pressa.

A vida possui muitos caminhos tortuosos e talvez o único dia em que possamos afirmar que entendemos onde chegamos seja o de nossa morte. Ou nem isso. Talvez só depois. Um dia - longe.

Mas Sandra tinha pressa e custava a compreender que o tempo - Senhor inexorável, Saturno intransigente, Cronos implacável - andava somente em seu próprio ritmo, e que cabia a cada indivíduo situar seu universo a partir disso. Nem todos alcançavam êxito, ênfase aqui para os arianos, os ansiosos e os apaixonados. Sandra era os três. E ainda precisava compreender esse ritmo que transcorria tão alheio a ela.

Contudo, transcorria. E isso ela não podia negar. Transcorria ora com violência, ora com leveza. Os acontecimentos que amamos frequentemente parecem arrancados de nós cedo demais. Entretanto, poucos sabiam agradecer a medicina do tempo quando ele tratava de deslocar as dores mais agudas do presente para um tempo mais difuso do passado, para um "lá" menos doloroso do que um "aqui".

Sandra pegou o chá. Parecia bastante quente ainda, tentou bebê-lo mesmo assim. Queimou a língua. E frustrou-se com a sua falta de paciência. Quantos chás ainda haveria de beber cedo demais? Bebê-los cedo demais tirava a beleza do momento para ser um incômodo a mais. E chás saborosos, Sandra achava, deveriam ser bebidos com calma e introspecção.

A doçura suave da erva cidreira só podia ser adequadamente saboreada com calma e paciência. Não era um fast food. Não era um café forte de se engolir rápido pra cumprir uma cota de obrigações diárias. Era algo que demandava tempo.

Sandra pegou seu relógio e refletiu. O tempo não era seu inimigo. E ele não era escasso. Ele era exatamente da medida que precisava ser para o que era realmente importante. Administrá-lo era uma arte sutil, todavia, valia muito mais a pena do que se martirizar e queimar a língua com chás que deveriam ser cálidos e reconfortantes.

Sorriu e voltou para sua cama. O tempo curava mais do que matava.

sábado, 12 de abril de 2014

"o preço do amor é a responsabilidade"*

sempre
fui
a pessoa
que continua
segurando a corda
após o outro rompê-la
sempre fui
a pessoa
que não sabe muito bem o limite
entre lealdade
devoção
e a hora
de ir embora
sempre fui
a pessoa
que tem vontade de telefonar
e perguntar
como foi o dia
sempre fui a pessoa
que continua
segurando a corda
e às vezes isso doía tanto
que queria usar a metade que ninguém segurava mais
para enforcar-me
mas já passei disso
é hora de fingir que a metade solta
nem dói tanto assim
e pular um pouco de corda
lidar com algum ludismo
pra afastar tanta dor.

*Patricia Nardelli, http://patricianardelli.wordpress.com/2013/07/18/espantalho/

palavras não ditas

arrependo-me de várias coisas
mas não arrependo-me
de palavras não ditas
pois as ânsias que senti
de verbalizar
cedi a quase todas
arrependo-me de muitas coisas
e poderia ter partido antes com mais dignidade
contudo arrependeria-me muito mais
de não haver lutado até o ponto máximo
arrependo-me de várias coisas
mas espero que jamais de ter amado.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Parte I - Prólogo - De porque Hipólito sofreu

Houve uma vez um jovem chamado Hipólito, que gostava da natureza, da caça e dos esportes. Gostava, sobretudo, de cultuar Ártemis, deusa da caça e da vida selvagem. Ártemis era uma deusa virgem. E, por afinidade a ela ou natureza inerente, Hipólito havia também escolhido a castidade.
- Eu não tolero isso - disse Afrodite, deusa do amor e do sexo.
- O que, mãe? Hipólito não querer amar nem deitar-se com mulher alguma? - disse Eros, o cupido, seu filho, brincando de abrir e fechar uma lótus.
- Não apenas... Isso é bastante avesso a minha natureza e aos assuntos que são meus domínios na Terra, mas não deixa de ser um direito dele. Contudo, Hipólito zomba do amor. Zomba de mim. Zomba da intimidade física, crendo-se superior aos outros homens por ser casto. Pobre ignorante que desconhece o poder sagrado do sexo feito com amor. E, novamente, Hipólito zomba de mim - não digo nem por extensão, é um fato declarado. Por desprezar meus assuntos, Hipólito acha-me uma deusa menor! Prefere Ártemis. Ora, Ártemis está ligada à vida selvagem, à natureza. Como dissociar a natureza humana do amor? - Afrodite discorria, irritada e ofendida, os longos cabelos balançando conforme ela balançava a cabeça de frustração.
- Mãe... Onde pretendes chegar com isso?
- Quero destruir Hipólito. Com a deusa do amor não se brinca. Ele, que se acha superior por estar isento das paixões românticas, verá que isso não o protege dos infortúnios de ser amado. Você, Eros, meu filho, lançará sua flecha sobre Fedra, esposa de Teseu, logo, madrasta de Hipólito.
- E qual será a consequência disso?
- Nada bom poderá sair disso - disse Afrodite -, pois não será cálido como o amor abençoado por mim, e sim uma paixão fulminante incitada por mim.
- E o que a pobre Fedra tem a ver com isso, minha mãe? Por que envolvê-la nisso? - suspirou Eros.
- Será a última chance de Hipólito aprender a respeitar o amor. Ele não precisa vivê-lo, mas ao menos que respeite o sentimento. Ou enfrente as consequências.
- Eu não quero tomar parte nisso, mãe. Queria ficar aqui no meu cantinho, sem flechar ninguém que não estivesse disposto a viver o amor. Porém, lembro-me do que você fez com Psiquê. E não serei eu a provocar tua ira.
- Obrigada - sorriu, Afrodite, vencendo.

 -
(A lenda de Hipólito existe. Estou só fazendo uma releitura, me baseando principalmente na obra de Eurípides. Continua nos próximos posts.)
era uma vez um rapaz
que ganhou o amor de duas poetas - ou mais
and all of us are longing for what we can't have
ever.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

hurt hopeful moth

there'l be a time
when I'll cry no more
no more tears, no more, no more
no more

this time is gonna come
some time, some day, some night
no more tears, no more, no more
no more

cleaning up my shadows
until I find the light
until I rise into the light
and my heart will ache no more
no more tears, no more, no more
no more

I chose no easy path
God only knows what it cost to me
but I'm learning to understand
Mother Nature is holding my hand
and I'll ache no more
no more tears, no more, no more
no more

I feel no fear
and I fear no end
carrying on is the only way to the mend
and  I won't feel that pain again
no more tears, no more, no more
no more

'cause there'll be a time
when I'll cry no more.

Elliott Smith - Better be quiet now

Wish you gave me a number
Wish I could call you today,
Just to hear a voice.
I got a long way to go
Getting further away.

If i didn't know the difference,
Living alone would probably be okay.

It wouldn't be lonely.
I got a long way to go
Getting further away.

A lot of hours to occupy it was easy
When I didn't know you yet,
Things I'd have to forget.

But I better be quiet now,
and I'm tired of wasting my breath
Carrying it on, getting upset.

Maybe I have a problem,
But thats not what I wanted to say.
I prefer to say nothing.
I got a long way to go
Getting further away.

Had a dream as an army man with an order
Just to march in my place
But a dead enemy
Screams in my face

But I better be quiet now,
I'm tired of wasting my breath
Carrying it on, not over it yet.

Wish I knew what you were doing.
Why you want to do it this way.
So I can't go the distance,
I got a long way to go,
I'm getting further away.
I got a long way to go
Getting further away.

terça-feira, 8 de abril de 2014

i carry you in my heart

quem ama liberta
só o quero ao meu lado
se um dia ele o quiser de fato
o que quero
é que ele seja tão feliz
livre
são
pleno
vivo
leve
e firme
quanto merece
e essa prece
carrego no peito
como uma estrela
e a lua sou eu
e a mãe terra me guia
no caminho índigo
de um coração fiel
ao eterno.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

- Que a gente faz com um amor que não consegue deixar de sentir?
- Cria algo. Metamorfoseia tudo que pesa em algo que valha a pena. Não precisa ser leve. Nem bonito. Só verdadeiro.

5

em um mês faria um ano do término
mas fará um mês do novo término

as coisas não valem pelo tempo
mas pela qualidade
e eu sinto falta
e sinto muito.

domingo, 6 de abril de 2014

15

dia 15 faz dois anos
desde a primeira vez
que o beijei
naquele sofá
depois de um dia inteiro querendo isso

dois anos
e o que começou despretensiosamente
se tornou um amor maior
que tudo que eu conhecia

em um mês
fará dois anos do suicídio da minha mãe
e já não dói mais
queria que ela estivesse aqui,
mas não por mim.
Por ela mesma.
Para que pudesse
curar-se
mas já não dói mais, não
deixei ir

dia 15 faz dois anos
e meu amor jamais, jamais diminuiu
cresceu exponencialmente
e suspeito que continuará a fazê-lo
mesmo que supostamente não deva
não serei eu a refrear
o que vem do divino

dia 15 faz dois anos
e eu o amo
eu o amo tanto
que aceito
o que tiver de ser.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O sapo e o escorpião

Em alguma época, em algum lugar, houve um escorpião que precisava atravessar um lago. A fábula original não diz o porquê. Então digo que meu escorpião precisava atravessar o lago porque havia visto uma aranha que lhe parecera especialmente apetitosa.

Porém, o escorpião não nadava. E próximo a ele, um sapo coaxava tranquilamente, super zen. Talvez o sapo estivesse recitando silenciosamente o Prajnaparamita. Ou não. De qualquer forma, o escorpião não se interessava por budismo. Era demasiado hedonista. E interrompeu a meditação do sapo:

- Olá, amigo sapo! - disse, num tom falsamente amistoso.
- Olá? - disse o sapo, cauteloso, pensando "Como assim 'amigo', cara, você nunca falou comigo antes, embora coexistamos nesse ecossistema há tempos", e ainda assim, tentando ser gentil, e não manifestar sua desconfiança.
- Desculpe-me por interromper sua meditação, om, mas eu preciso atravessar esse lago, e minha natureza não me permite nadar. Eu gostaria de te pedir para me levar.
- Por que você precisa atravessar o lago?
- Porque minha amada está do outro lado, me esperando - mentiu o escorpião, ciente de que o sapo não gostaria da ideia de levá-lo apenas para que o escorpião pudesse desfrutar de uma aranha, que, afinal, era tão viva quanto eles.
- Sério? Essa é uma boa razão, mas por que você não contorna o lago? - respondeu o sapo, compassivo.
- Oh, eu contornaria! Como você sabe, eu posso passar muito tempo sem me alimentar, e faria esse trajeto com prazer, mas ela - ah, as fêmeas! - tem pressa.
- A paciência é uma virtude, escorpião. Mas nesse caso, que há de se fazer? Tenho de ser compreensivo com o processo dos outros, também. Atravessarei o lago contigo.
- Muito obrigada, meu amigo sapo! O que você quer em troca? - disse o escorpião, satisfeito.
- Nada. Não precisa me dar nada. Vamos lá. - concluiu o sapo, oferecendo suas costas ao escorpião.

O escorpião subiu nas costas do sapo, e o sapo entrou no lago. Durante a travessia, o sapo contou que na verdade não pretendia entrar no lago por um tempo, contudo, havia feito essa concessão pelo escorpião. O escorpião simulou gratidão, mas no fundo, não entendeu o que levava um ser a fazer algo que não queria por outro ser.

No meio da travessia, o escorpião picou o sapo.
- Por que você fez isso?! - disse o sapo - Eu lhe ofereci minhas costas de bom grado, e agora ambos morreremos!
- É a minha natureza - disse o escorpião.
- Não - disse o sapo, muito sério e resoluto, com o que lhe restava de vida -, não é a sua natureza. A sua natureza era não nadar. Isso sim era sua fisiologia, algo que você não podia mudar. Mas a natureza do seu caráter, sua essência? "A existência precede a essência", diz Sartre. Era responsabilidade sua administrar sua natureza e sua essência para se tornarem o que você quisesse ser. Você acha que eu queria entrar no lago para te trazer? Não, mas eu escolhi trazer, e entre a preguiça e a vontade de te ajudar, cedi a segunda. Se você se envenenou, e me envenenou, a responsabilidade é unicamente sua. Sinto muito pela minha vida e pela sua, porque você foi consumido pela sua auto-indulgência e jogou no lixo uma chance de se tornar melhor. - disse o sapo. E morreu.

O escorpião entendeu imediatamente o que o sapo queria dizer. E sentiu-se tomado pela tristeza por ter destruído tantas coisas antes de aprender algo tão simples. Morreu também.


"1) Ando pela rua
Há um buraco fundo na calçada
Eu caio
Estou perdido... sem esperança.
Não é culpa minha.
Levo uma eternidade para encontrar a saída.

2) Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada
Mas finjo não vê-lo.
Caio nele de novo.
Não posso acreditar que estou no mesmo lugar.
Mas não é culpa minha.
Ainda assim levo um tempão para sair.

3) Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada
Vejo que ele ali está
Ainda assim caio... é um hábito.
Meus olhos se abrem
Sei onde estou
É minha culpa.
Saio imediatamente.

4) Ando pela mesma rua
Há um buraco fundo na calçada
Dou a volta.

5) Ando por outra rua."
(O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

segunda-feira, 31 de março de 2014

saturno

saudade dos ciclos longos
embora os lunares sejam tão curtos
saudade de tudo
inclusive de esperar

segunda-feira, 24 de março de 2014

calma

às vezes eu nem entendo, não
às vezes nem tenho pretensão de fazê-lo
noutras insisto até o ponto de ruptura
boa vontade demais e aceitação de menos
mas tenho aprendido,
gra-du-al-men-te
a calma é princípio do amor.

domingo, 23 de março de 2014

precoce saudade

eu o vejo em coisas tão diversas
quanto um ensinamento budista
ou pipoca
no meu gato
no Santo Daime
nos meus anéis
na ausência do lado da cama

em tudo que reluz
em tudo que amo
e por vezes
nos nós que apertam
combato os nós
quero que se desatem
quero laços e não nós
quero caminhos de mãos dadas
não estradas arrastadas
quero olhar teus olhos na altura dos meus
não colocando-me abaixo
mas de frente
e ao lado
durante a transitoriedade
exata
que cabe no possível .

ojos negros

existem tantos
jeitos de
ser
existem  tantas formas
de
ser

esperança resguardo
de que harmonizemos
nossos seres
e sejamos
em paz
na simplicidade
elevada
da gratidão
do perdão
compreensão
compaixão

porque o tempo cura
mas o amor cura mais

(a perseverança é uma qualidade
tão nobre quanto a aceitação desapegada
firmo-me no que significa ser fiel ao que sinto
hoje
e sigo buscando
teus olhos de novo

e se puder eu sigo buscando
teus olhos -
tão bonitos
tão escuros
tão argutos
poço profundo de escorpião
- a vida inteira
até o dia
em que eles encontrem os meus de novo
e repetir isso por todas as noites e manhãs
até o fim desta vida
e todas as que sucederão)

sexta-feira, 14 de março de 2014

Crônica do beco

À Luiza Coimbra e Carolina Knihs

Arde. Arde assim de um jeito morno, agridoce. Noutras arde pungente, rasga mesmo. Sim: corrói. Arde e ela atira para várias direções buscando que não arda. Ou que arda morno, suave. Seus êxitos são temperamentais.

Borderline não senhor, que havia método em seus excessos. Excessos e arroubos que ela já aprendera bem mais a controlar.

Depressiva? Que é depressão? Disfunção neuroquímica ou mal-estar da alma? Qual seria afinal o limiar da dor compreendida e a socialmente inaceitável? Critério arbitraríssimo é o de categorizar depressão como falta de funcionalidade. Depressivos notórios produziram coisas. Produziram inclusive seus próprios fins.

Já não se queixa; apreende. O que arde às vezes coça. Mas às vezes nem incomoda, embora ainda esteja lá. Contemplando com olhos diretos e sérios. Onisciente.

Respira fundo porque consegue fazê-lo. Porque pode. Respira fundo ainda que o ar em seus pulmões às vezes mais arda que alivie. Mas respira, sôfrega. Comovida. Aceitando.

Respira fundo na esperança que desfaça o nó no estômago; porém nem sempre. Ela lembra contudo de quando se perdeu uma vez num beco escuro tão comprido que achou que não houvesse saída. A noite fechando o cerco e os receios todos sibilando em seus ouvidos. Desespero. Toca as paredes do beco, passa os dedos procurando ranhuras no concreto. Toca a princípio com cautela, logo enfia os dedos na parede suja, arranha. Lasca as unhas. Não há saída pelos lados, não. Nada de tergiversar, embora tivesse medo. Respirou fundo como quem implora ao ar que lhe nutra com a vida. Fecha os olhos. Segue. Segue receosa, olha pra trás a cada dois passos. O beco, ah, o beco. Haveria será saída do beco? Ela não sabe.

Sabe é que ficar parada não é uma opção. Entregar-se ao desespero tampouco; isso não a protegeria dos perigos de estar sozinha à noite perdida num beco. Para ver a luz, precisava sair dali. Seguiu. Com medo mas convicção. Resoluta. Caminhou. Caminhou bastante tempo, que beco era aquele, meu Deus? Achou a saída, por fim. Aliviou-se. Ainda estava noite escura. Mas a noite não era eterna.

"Que importa a paisagem, a Glória, a baía
a linha do horizonte?
...o que eu vejo é o beco."¹

Ela via o beco. Todavia via também a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte. Via várias coisas e certamente ainda veria muito mais. Se insistisse o bastante.

Todos os becos são transponíveis.



-
O poema indicado por * é de Manuel Bandeira. Serviu de inspiração  também o texto "Além do ponto", de Caio Fernando Abreu.

segunda-feira, 10 de março de 2014

dolor

vampiros só entram nas casas
se convidados
pessoas só estilhaçam corações
nos quais entraram
estilhaçam por perfídia
ou ignorância
ou ambos

um dia fiquei tão amargurada
que jurei a mim mesma não mais escrever aqui poemas
sobre tudo aquilo


tenho mantido isso
esse não é um poema de amor
é um poema sobre como confiança
às vezes envenena
e te rasga por dentro
sobre como perdoar
é um ato deliberado e doloroso
de sufocar seu ego
e sua necessidade de auto-proteção
em prol de algo maior

algo maior que eu
mas o caminho para tal
é tão profundamente doloroso
que espero somente ter tomado as decisões certas
para que um dia
toda essa dor cesse e faça sentido
faça sentido
para além de tanto
tanto
tanto
ter doído.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Penadito del tiempo

Consagro a medicina do tempo
que faz vibrar os corações de glória


Cura, cura, curador
cura, cura, xamã curador
cura, cura, buscador
cura, cura, xamã buscador

Eu recebi este rezo
foi meu Pai quem me deu
A dádiva da vida
a dádiva de estar viva
E receber medicina
Que cura e guia

domingo, 16 de fevereiro de 2014

tudo está sempre certo

tudo está sempre certo
e tudo está sempre belo
na perfeição oculta do inefável
nos desígnios misteriosos do insondável
na lógica sublime do eterno

tudo está sempre certo
mesmo quando parece torto
o quebrado é uma face do inteiro
a separação é uma ilusão da mente e do ego
a alteridade é um equívoco caro

tudo está sempre certo
ainda que pareça terrivelmente errado
porque a dor é uma oportunidade disfarçada
de receber a bênção de mais um aprendizado

tudo está sempre certo
ainda que o coração ora lateje e pese
ainda que tudo pareça difícil e inadequado

tudo está sempre certo
ainda que hoje não faça sentido
um dia fará
um dia fará
os fatos bastam em si mesmos
sofrer é uma hiper-análise que quase nunca leva ao despertar

o caminho pode ser leve,
ou não,
mas a iluminação com certeza o será

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

3/02/14

- Você é uma  pessoa maravilhosa.
- Ah, não diga isso de alguém que você conhece tão pouco. Não que eu seja uma pessoa ruim, mas você acabará confiando em pessoas que vão te passar pra trás.
- Bom - riu -, isso acontece o tempo todo.

Manguezal

As árvores do  mangue precisam ter raízes específicas para serem bem nutridas nesse tipo de solo. E há quem as ache feias. Eu, porém, acho a sobrevivência adaptativa algo belo. Elas não morrem, e sim encontram um equilíbrio ao serem deixadas por conta  própria. Fundem-se a natureza, integram-se e sobrevivem. Mas o equilíbrio do manguezal pode ser destruído pela ação humana.

Entre manguezal destruído e árvore viva, tentarei inspirar-me na segunda. E talvez florescer.

na natureza selvagem

há um lugar em algum mundo
em que a natureza é ainda mais bela
há montanhas e lagos
e o leão e o cordeiro pastam juntos
sem serem mortos pelo homem

há um lugar em outro mundo
em que a harmonia reina
onde jamais chegará a chaga da civilização
que rima com dizimação da gente da terra
e do reino dos bichos e dos animais

há um lugar em outro mundo
na natureza selvagem
na sua face de compassivo equilíbrio idílico
onde eu talvez pudesse descansar
e entregar meu corpo a ela
devolvê-lo a mãe terra
e ela o cobriria com suavidade maternal
e ancestral

esse lugar existe em meus sonhos
de olhos abertos
(ora marejados)
mas eu não posso ir para lá agora
seria violar as leis dessa mãe terra
mas lua após lua
e aurora após aurora
aproximo-me inexoravelmente dela
e estando aqui por ora me cabe laborar
"ter firmeza é ter amor"
e isso me sobra
até escorrer pelos olhos

me resta seguir
a caminhada  solitária
nas aspirações mais nobres
como trabalhar pela libertação de todos os seres
(inclusive em minha própria)
ou ao menos tentar ser
o tipo de pessoa que alguém gostaria de conhecer num mau dia

minhas pernas bambas de cansaço
insisto em fazê-las caminhar
para que quando terminar
o dia derradeiro
eu possa orgulhar-me do meu saldo
devidamente arrependida e retificada
dos débitos

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

aceitação II

eu o amo na medida em que ele é
e eu o amo na medida em que sou
Deus não comete excessos.

mosaico

meu coração é como um mosaico
[multicolorido
ora lânguido, ora cálido e multifacetado
e cada face reflete um lado
do que anseio ser e conhecer

meu coração multicolorido
violeta, e azul, e índigo
sussurra: eu vou esperar
todo dia
sempre
porque bem direcionada, a espera
não é roce, desgaste e morte
não é aflita e aguda
a espera é sorte
por saber quem eu quero a chegar
sorte por saber que existe
e existo
e não importa em que pedaço de terra meus pés por ora tenham de se assentar
eu sei o pedaço de céu em que escolhi morar
e celebrar
amém.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

achtung baby

tomemos cuidado
com o que é precioso
ainda que não seja frágil

o amor lapida melhor do que a desavença
e no fundo é tudo medo
que será resolvido com esforço mental
e com a satisfação do anseio pela tua presença

nove dias
três ao quadrado
e eu não tenho medo
quando sei o poder do ser

(amei-o pelo seu atma
mesmo quando era agnóstica
crescer é aprender a nomear
o que sempre se sentiu.)

wishful trying

i wish i could write you a song
louder than a siren
peaceful as buddhist bells
and as sweet as yourself

i wish i could write you a letter
and you would feel so warm as my heart feels
since i met you

i wish every word
would melt every hardness
that may still coexist
with this love we are sharing

i wish i could paint you a painting
as wonderful as our visions
as colorful as mother nature
as beautiful and soulful as you

i wish i could make me better
everyday
to make you feel happier
and grateful to be by my side
but i know you're not mine

i wish i could be the best poet
and i wish i could be the best person
and i wish i could give you everything
from now to the last breath

and i wish i was brave enough to show you this
without being afraid of not receiving a compliment
i wish i could only give and stop dreaming about ghosts made of fears
ghosts fed with shameful tears
but i don't know if i can
i don't know if i can

but i'll try
my hardest
'cause you don't deserve any less.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

memento mori

às vezes minha fé me falha
e este é o pior momento
e temo, e receio
angustiada com o que vai ser

nesses momentos esqueço
(e se esqueço é porque não está suficientemente internalizado)
que tudo que preciso e precisarei
está aqui dentro
que Deus não é um conceito abstrato
mas está também contido em mim

"filosofar é aprender a morrer"
rezar também

memento mori -
lembra-te de que deves morrer
e aprende a não temer

na caminhada, contudo,
não te esquece de viver na graça também.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

tesouro

"onde estiver o teu tesouro, aí também estará o teu coração"
e onde se lutar contra o medo, estará o ouro da compaixão
e onde estiver a verdade, fluirá como a queda  d'água da vida
e a correnteza lava e limpa amorosamente a mesquinharia
e revela a vacuidade de cada instante em sua extensão
e onde pulsar a vida, haverá espaço para a  renovação
e onde houver alma, haverá possibilidade de purificação

e onde estiver meu tesouro, aí também estará você - meu coração
e cada vez que eu precisar de forças encontrarei um reduto na oração
e em meu íntimo lunar o amor me guiará
e meu amor por você embeleza o meu libertar.