quinta-feira, 24 de abril de 2014

sensibilidade

pré-requisitos para um amor:
que respeite minhas lágrimas
e sensibilidade
sabendo que são a outra face da minha poesia
a outra face do meu amor pela vida
são parte do meu lado escuro da lua
quem amar o claro
deve aprender a amá-las também
dissociar seria violência simbólica
contra mim

sou inteira
não preciso de ninguém
que só me queira às metades
em pedaços
doses homeopáticas
de meu bem querer
amar mais que ser amado
é um preceito para a vida
mas amar a mim mesma
não pode coexistir com murro em ponta de faca
querendo o que não se pode ter

amar é deixar ir
e saber a hora
de fazer as malas e ir embora
em vez de sentar na cama e chorar
que eu chore nos meus próprios braços
porque se quero eternidade
que eu me firme no que sempre
estará dentro de mim
que eu viaje para dentro
porque buscar ao redor
é uma caminhada fadada ao fracasso
o apego é uma ilusão do ego
destinada ao insucesso
ao perceber-se que
tudo
é
transitório
se todos os fenômenos são vazios
como diz o Sutra do coração,
que eu faça meu coração vibrar
e ressignifique tudo para que vibre em paz.

Agudamente

- Sabe - ela disse, sorvendo um pouco de café -, eu não diria que "as pessoas" são boas nem que "as pessoas" ruins. Porque isso é muito vago. Mas eu diria que as pessoas se esforçam.

- Esforçam em quê? - ele disse, erguendo uma sobrancelha.

- Em sobreviver. Elas tentam, sabem, cada uma à sua maneira. - ela explicou, encolhendo os ombros.

- E ferem umas as outras no processo.

- Certamente que sim, mas não estou dizendo que isso justifique. Não acho que sobreviver se torne desculpa pra tatear às cegas sem se importar com as consequências dos seus atos. Justamente, viver demanda responsabilidade. Sobreviver demanda consciência.

- Eu concordo contigo - disse ele, gentil -, mas me surpreende que você gaste tanto tempo pensando em algo que pra maior parte das pessoas é tão automático quanto respirar.

- Como assim? - intrigou-se ela.

- Sobreviver... você realmente acha que a maior parte das pessoas filosofa tanto assim sobre isso?

- Sinceramente, eu acho - ela insistiu, parecendo um pouco agitada -. Não que elas necessariamente tenham consciência disso. Não sei se podemos chamar de "filosofar" em todos os casos. Mas acho que todo mundo tem uma pequena, ou enorme, angústia, dúvida, inquietação, dor, etc. etc., que adquire dimensões e formatos singulares pra cada um. Tolstói já dizia que "se existem tantas cabeças quanto são as formas de pensarem, há de haver tantos tipos de amor quanto são os corações". Acho que isso também vale para o fato de que cada um encontra uma forma de seguir. Pra alguns, filosofar de uma maneira deliberada sobre a vida poderia virar desespero, mas pode simplesmente virar alguma coisa muito preciosa que a gente tenta esconder por ser íntima demais.

- Como a arte? - ele sorriu.

- Como qualquer coisa, qualquer coisa que sirva. Contanto que não fira os outros.

- Sabe - o sorriso dele alargou-se -, eu gosto do seu jeito agudo de sentir as coisas.

- Então você já gosta de uma parte enorme de mim - ela disse, rindo, parecendo mais leve.

- Gosto, sim.

- Também gosto de ti. Talvez agudamente. - ela alertou.

- Tudo bem. Eu aceito.

- Obrigada.

- Não agradeça. Só chega mais perto.

- Chego.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

de longe

beije-me
com a doçura
de quem se importa
com minhas chagas
e não apenas deseja meus lábios

abrace-me
com respeito pela minha história
e compaixão pelos meus débitos

aceite-me
na medida que sou e ame-me
na medida em que és
não peço mais

mas se não quiseres nada disso
eu compreendo
e respeito
te amo de longe
e te amo pra dentro
se preferes
disfarço por fora.

terça-feira, 22 de abril de 2014

apego

"...you scream so well
you smile so loud
it still rings
in my ears..."

as pessoas
desenvolvem formas
jeitos
técnicas
de pararem
de amar
alguém
eu nunca
soube fazer
isso;
se escrevo
não é pra fazê-lo tampouco:
há um ano
escrevo aqui sobre o quanto o amo
se escrevo
é porque não devo
alugar os ouvidos de meus amigos
e dele próprio
sobre essa miríade de apego aqui
se escrevo
é pela veleidade de transformar esse apego
em - para corações gentis que ousem
considerar-me assim -
arte
se escrevo
é porque não sei deixar ir
ainda que queira e decida
meu coração recusa-se
e se mantém ali
preso
a quem nem mais o quer
se escrevo
é para que desta fraqueza
eu extraia força
eu organize meus pensamentos
e analise meus sentimentos
de forma a ancorar-me no que o amor
tem de forte belo divino incrível
sagrado
e re-ge-ne-ra-dor
se escrevo é porque quero ser livre e feliz
e às vezes até consigo
mas nem todo dia
e definitivamente,
em nem toda noite.

sábado, 19 de abril de 2014

viver é criar

contemplo o chão
mas caminho sobre ele
em vez de me jogar
ou tombar nele

contemplo o sol
e deixo-o aquecer minha pele
clara mas nem tão sensível
a ponto dele queimá-la
aquece apenas
e na grama sob o sol sinto-me em casa

contemplo o abismo
e extraio dele criação
extraio poesias
sons
e compaixão
porém desta vez não mergulho
além do necessário
há de se traçar uma linha
entre o artista que sangra
e o que morre de hemorragia
ambos valem muito
mas um não cria mais
e eu quero criar
e viver
e amar
e cuidar
e ser
e sorrir
e sentir
e vibrar
e sangrar
e recomeçar
mais uma vez
e outra, e outra, e outra, e outra.

na natureza selvagem - música

transformei um poema meu em som.


https://www.facebook.com/photo.php?v=658722890842378&l=8672003423203269074

há um lugar em algum mundo
em que a natureza é ainda mais bela
há montanhas e lagos
e o leão e o cordeiro pastam juntos
sem serem mortos pelo homem

há um lugar em outro mundo
em que a harmonia reina
onde jamais chegará a chaga da civilização
que rima com dizimação da gente da terra
e do reino dos bichos e dos animais

há um lugar em outro mundo
na natureza selvagem
na sua face de compassivo equilíbrio idílico* (esqueci de cantar esse trecho)
onde eu talvez pudesse descansar
e entregar meu corpo a ela
devolvê-lo a mãe terra
e ela o cobriria com suavidade maternal
e ancestral

esse lugar existe em meus sonhos
de olhos abertos
(ora marejados)
mas eu não posso ir para lá agora
seria violar as leis dessa mãe terra
mas lua após lua
e aurora após aurora
aproximo-me inexoravelmente dela
e estando aqui por ora me cabe laborar
"ter firmeza é ter amor"
e isso me sobra
até escorrer pelos olhos

me resta seguir
a caminhada solitária
nas aspirações mais nobres
como trabalhar pela libertação de todos os seres
(inclusive em minha própria)
ou ao menos tentar ser
o tipo de pessoa que alguém gostaria de conhecer num mau dia

minhas pernas bambas de cansaço
insisto em fazê-las caminhar
para que quando terminar
o dia derradeiro
eu possa orgulhar-me do meu saldo
devidamente arrependida e retificada
dos débitos

sexta-feira, 18 de abril de 2014

fragmentos II

Certa vez, Stella foi a um casamento - o mais lindo e atípico de todos os poucos que já tinha ido. Numa clareira. Pés no chão. Um xamã. Medicinas da floresta, a razão pela qual ela havia ido originalmente. Sem saber que haveria um casamento ali; foi surpresa. O casal: juntos há 23 anos, com uma filha, e um neto. Sem, contudo, uma cerimônia para celebrar os laços, até aquele dia.

No final da cerimônia, Stella, comovida, abraçou novamente a noiva e disse:
"Vocês me fazem acreditar no amor, mas, mais importante, que o amor que vale a pena, que vale ser compartilhado por uma vida inteira, é esse amor verdadeiro, que a gente reconhece quanto sente, e não algo medíocre que a gente já entra sabendo que vai acabar."
"Você está certa. E muita gente deixa isso passar, porque passa rápido, se dedica a outras coisas e perde."
"Espero que isso jamais aconteça comigo."

(não aconteceu)

*

- Você gosta muito dele, né?
- Sim.

*

- Eu sonhei com ele - ela disse -, eu sonho com ele frequentemente. Sonhei que ele me abraçava como se entendesse tudo que eu sempre quis que ele entendesse, e que me aceitava com o amor e a entrega sem reservas que eu aceitava a ele. Que ele beijava minha mão, minha testa e meus lábios e dizia que era grato por tudo que eu sentia e pelo que eu fazia ele sentir. Sonhei que a gente não brigava mais, só se respeitava e dormia lado a lado.
- Como acabava esse sonho?
- Assim: bonito, lembro-me exatamente da alegria e da esperança me irrigando com a possibilidade do recomeço em paz, porque já senti isso antes, sem estar sonhando. Acordei e chorei. Aí parei, comi um pedaço de bolo, sentei na sacada. Chorei mais um pouco. Mas não desfez o nó no peito.

*

- Ele gosta do que você escreve?
- Para ser sincera, eu não tenho certeza.

*

- Vocês pareciam muito felizes juntos.
- Não era mentira, mas também não era verdade. Exceto quando era. E quando era... era muito. Mesmo.

*

- Você vai superar.
- Eu queria acreditar nisso, mas duvido. Sonho com o dia que a vida prove que eu estava errada. Ou poder sentir algo de maior magnitude por outra pessoa e viver uma história nova. O problema é que eu não quis estar numa história em que eu amasse demais. E tampouco quero estar noutra em que eu ame de menos.
- Você quer muitas coisas.
- Eu só queria esquecer.
- A gente nunca esquece, pequena.

*

"há uma só presença aqui;
é a presença do amor
Deus é amor
que envolve todos os seres
em um só sentimento de unidade
este recinto está cheio da presença do amor
no amor eu vivo
me movo
e existo
quem quer que aqui entre
sentirá a pura e santa presença
do amor."

meus abismos são reflexivos

relacionamentos seriais há 4 anos
e uma parte de mim
sente falta de estar apaixonada
outra parte sabe que já estou
mas acho que qualquer tentativa minha
além deste ponto
violaria; seria forçada

uma parte de mim
sente falta de ser amada
outra parte
de desgastes, está saturada

uma parte de mim
queria um amor que me desse água
e beijasse meus pés cansados
outra parte
sabe que é mais fácil achar isso
do que achar uma alma
que verdadeira e totalmente me encante
como sei que já fui encantada

vênus em libra na casa 1
não sei viver sem amar
sempre desejei um dia casar
contudo, sabiamente ela me dizia
"a vida se apresentou assim"
a vida se apresentou assim
para mim

se não sou uma criança mimada
frustrada
emburrada
não posso portar-me como uma
não posso reclamar nem exigir
(posso chorar
 mas não consigo mais)

vou escolher meu canto
vou ficar quietinha e seguir
este espaço é meu
escrevo e exponho
o que rasga e consola
aqui posso dizer
que embora eu queira emanar paz
às vezes meu coração dói, sim
e muito
sangra
abundantemente
e por isso escrevo

escrever é a minha metáfora para sobreviver.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

de Gêmeos

ela fala com sinceridade
e não fala para ferir
isso nunca é falar demais

ela é doce como o sorriso dela
grande e bonito e claro
o tipo de sorriso
que remete a um lar
e a paz

frequentemente
acolhi mais do que fui acolhida
com ela
muito mais senti receber do que dar
e contudo
jamais senti-me cobrada
e isso é coisa
que só os grandes conseguem ofertar

ela é a companheira
de uma das pessoas que mais amo e sempre amarei
por toda a minha vida
alguém bom e íntegro
e também doce
e ela faz jus
ela é merecedora
de todo o bem
que haverá de encontrar.

boina azul

desnudei aqui esses versos
rasgados tortos sinceros
intensos pretensiosos
desesperados
doces, suaves
rítmicos

e ela gostou
entendeu
respeitou
sentiu, sobretudo

Lucia de luz
que iluminou meu sorriso
hoje
e aqueceu meu coração
pela graça de cativar & ser cativado
e se firmar no elevado
que encanta a ambas

Lucia me escreveu
e acho que poucas vezes alguém captou tão bem
o geist de minha alma

gratidão imensa a ela
e que continue luzindo sempre.

braços

revendo nossas fotos
de passagem naquela cidadezinha
noto que o abraço firmemente
tentei deixar de fazê-lo
mas meu âmago
continua a abraçá-lo
firmemente.
parece-me que nisto não tenho escolha;
cedo.
abraço, sim.
silenciosamente.

domingo, 13 de abril de 2014

O relógio de Sandra

Sandra se revirou na cama. Olhou para o relógio: 3:30. Cobriu os olhos com o antebraço. Céus. Havia se deitado à 1 da manhã. E acordada, ainda. Angustiada. Levantou-se para fazer um chá de erva cidreira. Chá de erva cidreira lhe dava o consolo de um lar acolhedor como nunca teve. Sempre exilada demais dentro da própria pele para que pudesse ser ajudada. Pensou em acender um cigarro, mas não havia cigarros. Tinha abandonado o cigarro. Embora gostasse de fumar. Mas em nome da saúde, ela pensou.

Andou até a cozinha e abriu o armário, pegou o pacote de chá, pegou o bule, lavou uma xícara e pôs a água para ferver. E aguardando o ponto de ebulição, perguntou qual seria seu próprio ponto de ebulição. Não de seu corpo físico (Sandra pensou que o google lhe responderia facilmente o ponto de ebulição de um corpo humano). O ponto de ebulição da alma humana. Haveria? Se houvesse, certamente variaria para cada indivíduo.

Pausa.

Sandra debruçou-se sobre a bancada, após colocar a água recém-fervida na xícara, posicionar o sachê de chá dentro e cobrir com um pires. Andou até uma cadeira, sentou, encolheu-se. Tanta. Coisa. Há. Tanto. Tempo. E ainda tão perdida e cheia de dúvidas e de pressa.

A vida possui muitos caminhos tortuosos e talvez o único dia em que possamos afirmar que entendemos onde chegamos seja o de nossa morte. Ou nem isso. Talvez só depois. Um dia - longe.

Mas Sandra tinha pressa e custava a compreender que o tempo - Senhor inexorável, Saturno intransigente, Cronos implacável - andava somente em seu próprio ritmo, e que cabia a cada indivíduo situar seu universo a partir disso. Nem todos alcançavam êxito, ênfase aqui para os arianos, os ansiosos e os apaixonados. Sandra era os três. E ainda precisava compreender esse ritmo que transcorria tão alheio a ela.

Contudo, transcorria. E isso ela não podia negar. Transcorria ora com violência, ora com leveza. Os acontecimentos que amamos frequentemente parecem arrancados de nós cedo demais. Entretanto, poucos sabiam agradecer a medicina do tempo quando ele tratava de deslocar as dores mais agudas do presente para um tempo mais difuso do passado, para um "lá" menos doloroso do que um "aqui".

Sandra pegou o chá. Parecia bastante quente ainda, tentou bebê-lo mesmo assim. Queimou a língua. E frustrou-se com a sua falta de paciência. Quantos chás ainda haveria de beber cedo demais? Bebê-los cedo demais tirava a beleza do momento para ser um incômodo a mais. E chás saborosos, Sandra achava, deveriam ser bebidos com calma e introspecção.

A doçura suave da erva cidreira só podia ser adequadamente saboreada com calma e paciência. Não era um fast food. Não era um café forte de se engolir rápido pra cumprir uma cota de obrigações diárias. Era algo que demandava tempo.

Sandra pegou seu relógio e refletiu. O tempo não era seu inimigo. E ele não era escasso. Ele era exatamente da medida que precisava ser para o que era realmente importante. Administrá-lo era uma arte sutil, todavia, valia muito mais a pena do que se martirizar e queimar a língua com chás que deveriam ser cálidos e reconfortantes.

Sorriu e voltou para sua cama. O tempo curava mais do que matava.

sábado, 12 de abril de 2014

"o preço do amor é a responsabilidade"*

sempre
fui
a pessoa
que continua
segurando a corda
após o outro rompê-la
sempre fui
a pessoa
que não sabe muito bem o limite
entre lealdade
devoção
e a hora
de ir embora
sempre fui
a pessoa
que tem vontade de telefonar
e perguntar
como foi o dia
sempre fui a pessoa
que continua
segurando a corda
e às vezes isso doía tanto
que queria usar a metade que ninguém segurava mais
para enforcar-me
mas já passei disso
é hora de fingir que a metade solta
nem dói tanto assim
e pular um pouco de corda
lidar com algum ludismo
pra afastar tanta dor.

*Patricia Nardelli, http://patricianardelli.wordpress.com/2013/07/18/espantalho/

palavras não ditas

arrependo-me de várias coisas
mas não arrependo-me
de palavras não ditas
pois as ânsias que senti
de verbalizar
cedi a quase todas
arrependo-me de muitas coisas
e poderia ter partido antes com mais dignidade
contudo arrependeria-me muito mais
de não haver lutado até o ponto máximo
arrependo-me de várias coisas
mas espero que jamais de ter amado.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Parte I - Prólogo - De porque Hipólito sofreu

Houve uma vez um jovem chamado Hipólito, que gostava da natureza, da caça e dos esportes. Gostava, sobretudo, de cultuar Ártemis, deusa da caça e da vida selvagem. Ártemis era uma deusa virgem. E, por afinidade a ela ou natureza inerente, Hipólito havia também escolhido a castidade.
- Eu não tolero isso - disse Afrodite, deusa do amor e do sexo.
- O que, mãe? Hipólito não querer amar nem deitar-se com mulher alguma? - disse Eros, o cupido, seu filho, brincando de abrir e fechar uma lótus.
- Não apenas... Isso é bastante avesso a minha natureza e aos assuntos que são meus domínios na Terra, mas não deixa de ser um direito dele. Contudo, Hipólito zomba do amor. Zomba de mim. Zomba da intimidade física, crendo-se superior aos outros homens por ser casto. Pobre ignorante que desconhece o poder sagrado do sexo feito com amor. E, novamente, Hipólito zomba de mim - não digo nem por extensão, é um fato declarado. Por desprezar meus assuntos, Hipólito acha-me uma deusa menor! Prefere Ártemis. Ora, Ártemis está ligada à vida selvagem, à natureza. Como dissociar a natureza humana do amor? - Afrodite discorria, irritada e ofendida, os longos cabelos balançando conforme ela balançava a cabeça de frustração.
- Mãe... Onde pretendes chegar com isso?
- Quero destruir Hipólito. Com a deusa do amor não se brinca. Ele, que se acha superior por estar isento das paixões românticas, verá que isso não o protege dos infortúnios de ser amado. Você, Eros, meu filho, lançará sua flecha sobre Fedra, esposa de Teseu, logo, madrasta de Hipólito.
- E qual será a consequência disso?
- Nada bom poderá sair disso - disse Afrodite -, pois não será cálido como o amor abençoado por mim, e sim uma paixão fulminante incitada por mim.
- E o que a pobre Fedra tem a ver com isso, minha mãe? Por que envolvê-la nisso? - suspirou Eros.
- Será a última chance de Hipólito aprender a respeitar o amor. Ele não precisa vivê-lo, mas ao menos que respeite o sentimento. Ou enfrente as consequências.
- Eu não quero tomar parte nisso, mãe. Queria ficar aqui no meu cantinho, sem flechar ninguém que não estivesse disposto a viver o amor. Porém, lembro-me do que você fez com Psiquê. E não serei eu a provocar tua ira.
- Obrigada - sorriu, Afrodite, vencendo.

 -
(A lenda de Hipólito existe. Estou só fazendo uma releitura, me baseando principalmente na obra de Eurípides. Continua nos próximos posts.)
era uma vez um rapaz
que ganhou o amor de duas poetas - ou mais
and all of us are longing for what we can't have
ever.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

hurt hopeful moth

there'l be a time
when I'll cry no more
no more tears, no more, no more
no more

this time is gonna come
some time, some day, some night
no more tears, no more, no more
no more

cleaning up my shadows
until I find the light
until I rise into the light
and my heart will ache no more
no more tears, no more, no more
no more

I chose no easy path
God only knows what it cost to me
but I'm learning to understand
Mother Nature is holding my hand
and I'll ache no more
no more tears, no more, no more
no more

I feel no fear
and I fear no end
carrying on is the only way to the mend
and  I won't feel that pain again
no more tears, no more, no more
no more

'cause there'll be a time
when I'll cry no more.

Elliott Smith - Better be quiet now

Wish you gave me a number
Wish I could call you today,
Just to hear a voice.
I got a long way to go
Getting further away.

If i didn't know the difference,
Living alone would probably be okay.

It wouldn't be lonely.
I got a long way to go
Getting further away.

A lot of hours to occupy it was easy
When I didn't know you yet,
Things I'd have to forget.

But I better be quiet now,
and I'm tired of wasting my breath
Carrying it on, getting upset.

Maybe I have a problem,
But thats not what I wanted to say.
I prefer to say nothing.
I got a long way to go
Getting further away.

Had a dream as an army man with an order
Just to march in my place
But a dead enemy
Screams in my face

But I better be quiet now,
I'm tired of wasting my breath
Carrying it on, not over it yet.

Wish I knew what you were doing.
Why you want to do it this way.
So I can't go the distance,
I got a long way to go,
I'm getting further away.
I got a long way to go
Getting further away.

terça-feira, 8 de abril de 2014

i carry you in my heart

quem ama liberta
só o quero ao meu lado
se um dia ele o quiser de fato
o que quero
é que ele seja tão feliz
livre
são
pleno
vivo
leve
e firme
quanto merece
e essa prece
carrego no peito
como uma estrela
e a lua sou eu
e a mãe terra me guia
no caminho índigo
de um coração fiel
ao eterno.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

- Que a gente faz com um amor que não consegue deixar de sentir?
- Cria algo. Metamorfoseia tudo que pesa em algo que valha a pena. Não precisa ser leve. Nem bonito. Só verdadeiro.

5

em um mês faria um ano do término
mas fará um mês do novo término

as coisas não valem pelo tempo
mas pela qualidade
e eu sinto falta
e sinto muito.

domingo, 6 de abril de 2014

15

dia 15 faz dois anos
desde a primeira vez
que o beijei
naquele sofá
depois de um dia inteiro querendo isso

dois anos
e o que começou despretensiosamente
se tornou um amor maior
que tudo que eu conhecia

em um mês
fará dois anos do suicídio da minha mãe
e já não dói mais
queria que ela estivesse aqui,
mas não por mim.
Por ela mesma.
Para que pudesse
curar-se
mas já não dói mais, não
deixei ir

dia 15 faz dois anos
e meu amor jamais, jamais diminuiu
cresceu exponencialmente
e suspeito que continuará a fazê-lo
mesmo que supostamente não deva
não serei eu a refrear
o que vem do divino

dia 15 faz dois anos
e eu o amo
eu o amo tanto
que aceito
o que tiver de ser.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O sapo e o escorpião

Em alguma época, em algum lugar, houve um escorpião que precisava atravessar um lago. A fábula original não diz o porquê. Então digo que meu escorpião precisava atravessar o lago porque havia visto uma aranha que lhe parecera especialmente apetitosa.

Porém, o escorpião não nadava. E próximo a ele, um sapo coaxava tranquilamente, super zen. Talvez o sapo estivesse recitando silenciosamente o Prajnaparamita. Ou não. De qualquer forma, o escorpião não se interessava por budismo. Era demasiado hedonista. E interrompeu a meditação do sapo:

- Olá, amigo sapo! - disse, num tom falsamente amistoso.
- Olá? - disse o sapo, cauteloso, pensando "Como assim 'amigo', cara, você nunca falou comigo antes, embora coexistamos nesse ecossistema há tempos", e ainda assim, tentando ser gentil, e não manifestar sua desconfiança.
- Desculpe-me por interromper sua meditação, om, mas eu preciso atravessar esse lago, e minha natureza não me permite nadar. Eu gostaria de te pedir para me levar.
- Por que você precisa atravessar o lago?
- Porque minha amada está do outro lado, me esperando - mentiu o escorpião, ciente de que o sapo não gostaria da ideia de levá-lo apenas para que o escorpião pudesse desfrutar de uma aranha, que, afinal, era tão viva quanto eles.
- Sério? Essa é uma boa razão, mas por que você não contorna o lago? - respondeu o sapo, compassivo.
- Oh, eu contornaria! Como você sabe, eu posso passar muito tempo sem me alimentar, e faria esse trajeto com prazer, mas ela - ah, as fêmeas! - tem pressa.
- A paciência é uma virtude, escorpião. Mas nesse caso, que há de se fazer? Tenho de ser compreensivo com o processo dos outros, também. Atravessarei o lago contigo.
- Muito obrigada, meu amigo sapo! O que você quer em troca? - disse o escorpião, satisfeito.
- Nada. Não precisa me dar nada. Vamos lá. - concluiu o sapo, oferecendo suas costas ao escorpião.

O escorpião subiu nas costas do sapo, e o sapo entrou no lago. Durante a travessia, o sapo contou que na verdade não pretendia entrar no lago por um tempo, contudo, havia feito essa concessão pelo escorpião. O escorpião simulou gratidão, mas no fundo, não entendeu o que levava um ser a fazer algo que não queria por outro ser.

No meio da travessia, o escorpião picou o sapo.
- Por que você fez isso?! - disse o sapo - Eu lhe ofereci minhas costas de bom grado, e agora ambos morreremos!
- É a minha natureza - disse o escorpião.
- Não - disse o sapo, muito sério e resoluto, com o que lhe restava de vida -, não é a sua natureza. A sua natureza era não nadar. Isso sim era sua fisiologia, algo que você não podia mudar. Mas a natureza do seu caráter, sua essência? "A existência precede a essência", diz Sartre. Era responsabilidade sua administrar sua natureza e sua essência para se tornarem o que você quisesse ser. Você acha que eu queria entrar no lago para te trazer? Não, mas eu escolhi trazer, e entre a preguiça e a vontade de te ajudar, cedi a segunda. Se você se envenenou, e me envenenou, a responsabilidade é unicamente sua. Sinto muito pela minha vida e pela sua, porque você foi consumido pela sua auto-indulgência e jogou no lixo uma chance de se tornar melhor. - disse o sapo. E morreu.

O escorpião entendeu imediatamente o que o sapo queria dizer. E sentiu-se tomado pela tristeza por ter destruído tantas coisas antes de aprender algo tão simples. Morreu também.


"1) Ando pela rua
Há um buraco fundo na calçada
Eu caio
Estou perdido... sem esperança.
Não é culpa minha.
Levo uma eternidade para encontrar a saída.

2) Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada
Mas finjo não vê-lo.
Caio nele de novo.
Não posso acreditar que estou no mesmo lugar.
Mas não é culpa minha.
Ainda assim levo um tempão para sair.

3) Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada
Vejo que ele ali está
Ainda assim caio... é um hábito.
Meus olhos se abrem
Sei onde estou
É minha culpa.
Saio imediatamente.

4) Ando pela mesma rua
Há um buraco fundo na calçada
Dou a volta.

5) Ando por outra rua."
(O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)