sábado, 26 de dezembro de 2020

yingwaz

meu sol-estrela
explosão que aquece
acalenta e clareia 
meus ossos cansados
de uma vida inteira

meu lírio violeta
amor dourado
em meio a tanta escuridão
fazem-se presentes
pirilampos
sobreviventes dos agrotóxicos 
resilientes as marés
de azar 

repousar nos teus braços 
é como me desfazer
em lágrimas e amor 
oraieieo

posso descansar 
fechar meus olhos e confiar
que ciente da minha cartografia
de dores 
você pisa com tanto cuidado 
em meus caminhos esburacados

o sal que você usa 
é para temperar nossa comida
diferentemente de tantos 
você não esfrega sal nas minhas feridas
você aplica reiki nelas 
e eu ouso crer
que talvez elas possam
fechar 

quero cuidar das suas 
quero ajudar a sanar
e a semear esperança 
pois em plena escuridão
me achaste

que eu saiba iluminar também
teus dias difíceis 
quando você, meu sol, estiver cansade 
eu serei uma vela 
pequena e firme 
como somos nós
através das noites. 

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

acerto de contas

 (16.11.2020)

quanto vale uma vida?
um é o valor 
na ponta duma faca
quanto vale uma vida 
na mão de quem não se importa?

quanto vale 
acertar as contas
com um soco na cara 
acertar as contas
com os débitos 
e faltas

acertar as contas 
com o que não pode ser pago
não se pode desfazer
cada ato já feito
essa é a tragédia 
essa é a beleza
já feito, não volta mais 

duram instantes um bater de asas 
de borboleta
duram o choque da gota de orvalho
em sua queda livre
sobre a folha
duram 
uma piscada 

construímos nossa identidade
numa série de momentos
de brevidade
que passe o que tem de passar
que finde o que tem de findar 

acerto de contas 
às vezes a única paz possível
é aceitar os pedidos de desculpa
que jamais te farão. 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

bipoca

tem um pouco de pipoca no chão
não varro há dias
vivi, tenho vivido
dias sombrios
 
como pipoca com frequência
me lembra minha mãe
cada grão de milho preenche
humilde
outro buraco de ausência
 
é o calor que estoura o milho
ou nossas expectativas?
amar em voo em voo livre
é uma dádiva
 
eu que tanto amei
a sombra e o abismo alheio
sinto-me agraciada por amar
quem compreenda tantas cicatrizes
invisíveis
guardadas por trás do meu sorriso cansado
gravadas a ferro na memória
indeléveis parecem
busco, porém
queimar a dor no fogo do amor
 
aqueço o caldeirão
aprecio sua beleza
a natureza foi generosa
ao colocar essa mulher sob meus olhos
seus cabelos ao alcance do meu toque
seu coração perto do meu
balançando de esperança
de um mundo melhor
que nascerá com sementes e molotovs
e de dias melhores nossos
estes nascem de nossas mãos
sua coragem aquece e incendeia
meus e nossos amanhãs.

sábado, 6 de junho de 2020

sol da manhã

(06.02.2020)
para Teresa 

escrevo por ânsia de sobrevivência
não à toa, pouco escrevo
quando estou bem
o amor, porém
inspirou-me
por anos

não quero escrever sobre decepção
não quero escrever sobre meu coração
partido
ao fragmentar-se a confiança
em alguém que tão bem conhecia
meu inventário de cicatrizes

coragem vem de cor
coração
não sei a etimologia de covardia
mas conheço o gosto adstringente
como fruta verde
difícil de engolir

coragem vem de cor
coração
amar é um ato de coragem
e necessariamente implica responsabilidade

solos maltratados por agrotóxicos
e mau manejo
podem ser recuperados
contudo, desintoxicá-los
demanda tempo
tempo, este tecido de nossas vidas
que o capitalismo torna recurso
escasso

na agroecologia
não falamos em plantas como pragas
chamamos de indicadoras
pois indicam desequilíbrios
a serem corrigidos

farei da decepção e da dor
minhas indicadoras
de que algo acabou
e não agredirei meu solo
com arados desnecessários

o amor semeado
segue sendo meu
desta medicina estou sempre cheia
e por isso não seco

plantarei amor a vida inteira
e receberei a colheita
quando a natureza deixar
jamais irei maldizê-la

os frutos que virão, nunca se sabe
cuidar das sementes
e solo
é a parte
que me cabe

os milhos crioulos que plantei em novembro
não pude ir colher
alguém colheu por mim
não sei quem foi
agradeço
agradeço ao Seu  Jamil
e à vida
que tem me dado tanto.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

sarça ardente II

há luz no deserto
em que vagam peregrinos
há luz nos olhos
queimados de sol
iluminados de destino

bordando a delicada
tessitura da vida
tateio por algo
era a ti que eu buscava
entre becos e barricadas

há luz nesta casa
ensolarada
em que o invisível é nomeado
é preciso enxergar
para curar

há luz dentro e fora
transborda pelos teus olhos
há deserto, meu beduíno da memória
entre Diadorim e neblina
há amor e travessia

entre noites intermináveis
em que o mero existir
era pura agonia
sintonizamo-nos na dor
a sarjeta nos aproximou

após a dor, o amor
após a dor, a travessia
há amor e travessia
morrer não cabe mais.