terça-feira, 26 de agosto de 2014

eu sou vida e perfeição

haverá um dia
no qual eu vou
desencarnar

e seja qual for o jeito
final
pouco importará

haverá um dia no qual
meu espírito vai desprender-se
deste corpo material
vai elevar-se
e vai descansar

haverá um dia
no qual o prazer sensorial
do mais complexo ao mais banal
cessará

haverá um dia no qual
meu corpo será
matéria inerte

eu não temo esse dia
tampouco o desejo
sobretudo não o temo
posto que um dia chegará
posto que "somos seres espirituais
vivendo experiências humanas"

neste dia, quando chegar
o que realmente quero
o que realmente espero
é ter deixado um legado de amor
na terra

o que realmente quero
é que a identidade de Giovana
tenha sido mais do que um ego
e tenha sido uma alma que fez mais
do que existir
e sobreviver

o que realmente quero ter deixado
são corações mais aquecidos
pela compaixão
e empatia

haverá um dia no qual irei desencarnar
e para quem as lágrimas serão inevitáveis
espero que haja ombros e vozes a lembrar
que há um outro lado

haverá um dia no qual serei luz
resplandecente; iridescente
pura energia
circulando pelo astral
por todos os jardins, hospitais e as mais belas paisagens
da cosmologia sideral

eu não temo este dia
e tampouco o desejo
faz apenas um ano
que deixei de desejá-lo;
um ano em que tatuei meu peito
com um "choose life"

eu não temo nem desejo
uma partida precoce mais
sem apego e sem medo
quero celebrar o hoje
e tudo que virá

que minhas mãos criem
que minhas palavras curem
que meus braços abracem
que meus lábios cantem

que assim seja
e assim é.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

cálido

amor é
preocupar-se com o aquecimento
do corpo
e da alma
do outro.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

2.4

faz dois anos
e quatro meses
que escrevo
para ele
ou sobre ele

faz dois anos
e quatro meses
que amo igual
ou exponencialmente
nunca murchou
nunca regrediu

dois anos
e quatro meses
e eu só quero
poder andar
lado a lado
sem temer
mais um adeus

muito

eu escrevo muito
falo muito
penso muito

eu penso muito
sinto muito
sinto tudo
junto ao mundo

eu sinto muito
para todos os lados
somando os fatos
juntando os laudos

eu sinto muito
por ser assim tão eu
apesar de tudo
apesar de muito
apesar das flores

sábado, 16 de agosto de 2014

Elena, filme - resenha, reflexões, saudades

Acabei de assistir ao filme brasileiro Elena. É um filme autobiográfico da diretora, Petra. A irmã de Petra, a supracitada Elena, era atriz e suicidou-se aos 20 anos.

O filme é lindo, absolutamente lindo. Suspeito que a Petra Costa tenha aspectos no mapa em libra ou uma Vênus forte - o filme é de uma delicadeza sublime. A fotografia é linda. A narração é linda. A trilha sonora é linda.

A história, posto que é verdadeira, é linda de um jeito profundamente pungente.

"As memórias vão com o tempo. Se desfazem. Mas algumas não encontram consolo. Só algum alívio nas pequenas brechas da poesia. Você é a minha memória inconsolável, feita de pedra e de sombra. E é dela que tudo nasce, e dança."

Eu vejo um filme assim tão bonito e doloroso, com depoimentos tão sinceros da Petra e da mãe dela, e choro. Eu sou capaz de ter uma boa dimensão da dor dessa perda e da imensidão do peso e das lacunas.

A minha mãe se suicidou. Tal como Elena. E assim como é muito difícil enterrar a mãe com um fim desses, eu só posso imaginar o quão difícil é enterrar a filha. Ou irmã.

Eu pensei durante o filme que minha mãe merecia uma homenagem em forma de obra, também. Talvez um livro, no futuro.

Elena é um filme lindo. Mas foi muito fundo em mim. Porque eu não só perdi minha mãe. Eu também quase me suicidei depois, quase estendi esse ciclo de dor para o  meu irmão e amigos. A minha empatia é tanto para com Petra e a mãe dela quanto para com a própria Elena. Eu entendo desse vazio escuro que parece que jamais, jamais passará.

Felizmente, eu não só sobrevivi como estou nesse momento vivenciando uma mudança muito grande no meu jeito de processar as dores. Felizmente, e sou muito grata a isso, a espiritualidade, as pessoas e espíritos que tem atuado nesse meu desenvolvimento tem mudado muitos paradigmas no jeito que eu enxergava o mundo.

Eu sinto falta da minha mãe, eu sinto muita falta mesmo. Eu queria poder abraçá-la, eu queria poder levá-la para ver filmes, para comer fora, para provar minhas comidas. Para ler meus poemas. Para ver como meu gato está grande e gordo. Para  ver que eu talvez me torne uma mulher bonita, mesmo com acne. Mesmo com as cicatrizes.

A Petra fez um filme lindo sobre a saudade dela. Sobre o quanto essa falta imiscuiu-se na subjetividade dela. Na história dela. No jeito dela ver o mundo.

E é isso uma das coisas mais bonitas desse filme: É sobre a saudade, a falta e os efeitos da falta. Mas é um filme da Petra sobre a Elena. E com toda a dor que a Petra deve sentir, ela construiu uma coisa linda. Mais do que sobreviver, ela fez arte. Ela fez da sensibilidade dela uma ótica delicada para enxergar as coisas. Ela criou.

Gratidão, Petra Costa, por me lembrar que por enorme que seja a saudade, a melhor homenagem que podemos prestar é seguir.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

amay-vos uns aos outros

para May Faccimundo

do amor fiz o combustível
para todos os meus dias
outrora já fiz da dor
mas parei no caminho
a dor é um combustível ruim
alimenta mal o corpo
adoece a mente
aprisiona a alma
do amor fiz meu combustível
e aprendi que quanto mais se doa
mais se tem
paradoxo divino
da humanidade
outrora pensei
que a humanidade era toda torta
não por me ver muito especial; mas também me odiava
hoje cerco-me
de seres que me convencem todo dia
do contrário
há amor
e onde há amor,
há vida,
esperança
e cura
onde há amor há saúde e paz
onde há amor há gratidão
e a deusa em mim
reconhece, abençoa e ama
a deusa em você.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

gramática ii

dizer que te amo
é quase eufemístico
tal como espíritos que encontram
dificuldade
de comunicar-se conosco
pela precariedade
de nossa linguagem
meu amor por ti
não encontra tradução exata
transposição
adequada
nessas meras palavras

é sinestésico
e universalista
como nós

mostrar-te-ei com meus atos
a força e o poder
destes nossos laços
tão sinceros
e atemporais.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Agosto

- O que é morrer pra você? - Eliane disse, sentada na grama sob uma árvore.
- Uma trip? - respondeu Marcos, sob a mesma árvore.
- Mas para onde?
- Não sei. Importa?
- Claro que importa, Marcos! Não te dá um desespero pensar que a vida é finita? - Eliane arregalou os olhos e arrancou graminhas do solo como que para enfatizar a gravidade da pergunta.
- Na verdade... não. Eu nem penso muito nisso, sabe? E depois... a morte não é a certeza inexorável para todos nós? Eu fecho com Pink Floyd, "I am not frightened of dying, any time will do, I don't mind. Why should I be frightened of dying? There's no reason for ir. You've gotta go sometime."
- Tu realmente pensa que é simples desse jeito?

Eliane tinha 19 anos e cabelos escuros, chanel. Havia concluído a escola e prestara vestibular para Audiovisual, sem êxito. "Mas não estudou, queria o quê?," dizia Marcos.

Marcos tinha 24 e fazia Antropologia. "Maconheiro", dizia Eliane.

- Eu sei lá se é simples desse jeito, mulher. Eu nunca morri. - Marcos fechou o livro que estava lendo.
- Me surpreende como isso não é uma questão pra você.
- Veja bem. A minha opinião muda o desfecho? Não. A tua ansiedade muda o desfecho? Não. Isso tá além de nós.
- Você acha que existe um deus, Marcos? - Eliane colocou a mão sob o queixo.
- Não sei. Se existe, nunca senti. Então nem me grilo com isso também.
- Eu queria que houvesse, sabe? Deve dar um conforto simples.
- Conforto simples e cálido ou conjunto de dogmas castradores, depende, né.
- Ah, acho que fé e religião são coisas distintas.
- Não nego, fia, sou aprendiz de antropologista afinal, né? - Marcos sorriu.
- Nhenhenhé. E eu sou aprendiz de vida loka. Mentira. Tenho só contemplado a vida, ultimamente.
- E tem aprendido muito?
- Mais ou menos. A gente aprende um bocado observando, mas depende do quanto nos deixam entrar no universo alheio, né? - Eliane suspirou.
- Cê tá apaixonada, Eliane?
- Sim...
- Eita. E por que parece tão melancólica?
- É por uma mina. E eu acho que ela é hétero.
- E se for? Vai que ela abre uma exceção! - Marcos ensaiou uma cosquinha na barriga de Eliane.
- Seu comédia. Eu tô triste, véi.
- No final esse papo todo de medo de morrer é porque cê tá inlóvi, né?
- E o que uma coisa tem a ver com a outra?
- Bom, depende. Acho que o medo de morrer é humano. Acho que as religiões tem um papel essencial nisso. Elas preparam as pessoas pra morte, prometendo céu, reencarnação, descanso, ou no mínimo ritualizando a despedida dos seres queridos com quem vai.
- "Quem fica é quem sofre", diz a Ellen Oléria.
- Ou quem vai, vai saber? Mas voltando a minha teoria, amar dá uma pulsão de viver muito grande. Tem num livro que eu gosto, deixa eu pegar aqui... - Marcos abriu um caderninho em sua mochila e recitou - "Por que queremos viver para sempre? Porque desejamos que o dia de amanhã nos traga alguém que amamos. Porque queremos conviver mais um dia com a pessoa que está ao nosso lado. Porque queremos encontrar alguém que mereça nosso amor, e que saiba, por sua vez, amar-nos como achamos que merecemos."
- Que coisa linda. Eu nunca tive isso.
- Pouca gente tem, eu acho. Muitos relacionamentos são a mistura de duas crianças feridas com medo da solidão, as projeções de traumas de família, as carências. É uma dança meio triste, e o sexo vira válvula de escape.
- Pelo menos isso também acho que nunca vivi. Acho que vivi meio na superfície. Mas queria que fosse diferente com a Marina. Se ela não for hétero.
- O fato é que enquanto há vida, há esperança. Há tentativa e erro, há recomeço. Cê tá toda bolada com a morte, mas cê tem só 19 anos e a tendência é que isso demore. Enquanto isso, por que você não zela mais por cada dia? Por cada momento?
- Como agora?
- Como agora.

Se abraçaram. O cheiro um do outro evocava a amizade antiga e a confiança sincera, o tipo de confiança que se tem quando não se tem nada a perder, quando o medo do efeito de uma pessoa no seu universo individual cessa com a intuição de que aquele ou aquela só tem a agregar.

- Obrigada por ser meu amigo.
- Obrigada por gostar das minhas tentativas de te ajudar.
- Ajuda sim. Juro.
- Você me ajuda também, existindo, e quando eu verbalizo coisas pra ti eu às vezes percebo que servem pra mim também.
- E o que você conclui desse papo?
- Que bom que eu não tenho 19 anos e não sou desse seu signo horroroso de áries - riu Marcos, tomando uma livrada na cara.
- Muito melhor mesmo ser capricorniano!
- Claro que é, eu não sou seu poço de estabilidade saturnina? Minha filha, eu sou o oráculo de Cronos na sua vida.
- Prepotente...
- Linda! Maravilhosa! Deusa do fogo!


perdões

eu que tanto resvalei no erro
não posso julgar a ninguém
acolher é minha senda
o perdão é meu jardim zen

eu que tanto já errei
devo de ter acertado algo
e fui perdoada também

eu que falhei como humana
e insensata adolescente
agora escolho retificar-me
e faço diferente

eu que ferida sempre tive de seguir
hoje escolho curar-me e me firmar
amar sem deixar de sentir
confiar sem deixar de sentir
hoje, tudo que me pesou
eu escolho deixar ir

eu que busco um caminho
agradeço por ele ter me levado a ti

gratidão, meu amor.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

gramática

"para sempre" é
locução adverbial?
hipérbole?
metonímia da parte pelo todo?
artigo possessivo?
se o amor te parece
maldição
permita-se a bênção
de transcender e vencer
o apego
que é pura ilusão.