segunda-feira, 30 de setembro de 2013

deixar ir

eu nunca quis
invadir o espaço
violentar a intimidade e os silêncios
quis só ajudar
e me ceguei na arrogância de achar que sabia o que estava fazendo

eu nunca quis
ser invasiva
e pediria perdão
mas acho que o melhor jeito de demonstrar que entendi meu erro
é não repeti-lo
e deixar ir

M de Márcia

M de Márcia querida, e não de morte
s de solidariedade
a solidariedade e o acolhimento entre almas que justifica a existência humana
o apoio mútuo que ampara na crise
a empatia que eleva o espírito
a risada compartilhada que embeleza o momento
e afasta o desespero
gentileza que salva
e amor que constrói
seguir honrando as semelhanças com minha mãe
e celebrando as diferenças

e a Márcia e Carol sou profundamente grata
por cada sutileza de afeto
e por ser querida em minha integridade
obrigada, obrigada.

domingo, 29 de setembro de 2013

choose life

meu coração pesa
mas só pesa porque bate
e fazê-lo parar de bater às vezes parece tão mais fácil
do que lutar e esperar que pare de pesar
eu me esforço, porém

nunca deixei de entender Elliott Smith
ou Yoñlu
ou Virginia Woolf
ou minha mãe
ou a Giovana de 10, 12, 15 e 18 anos

mas eu tenho um lembrete gravado eternamente na minha pele
para tentar escolher a vida
exatamente nos momentos em que for mais tentador traí-la com a morte
levei quase 4h para fazê-lo, e doeu por uns poucos dias
mas está lá para sempre
talvez algumas dores também passem com o tempo
e reste seu próprio ser vivendo enquanto for possível

ou talvez algumas ausências a gente apenas aprenda a se acostumar
de viver com vazios eu entendo
e, talvez, com sorte, de curá-los também.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

transitoriedade

tudo é transitório
e impermanente
na melhor das hipóteses somos todes mortais

dado isso,
estou feliz por ter tido o tempo que tive ao lado dele.

missionária da melancolia

sou a missionária da melancolia
missionária da nostalgia
missionária da poesia
missionária da empatia

e às vezes, só às vezes, missionária da alegria
mas nessa função
fico confusa
me perco

sou sensível em demasia para estar sempre alegre
mas tenho compaixão o suficiente no coração para tentar sempre ser, ao menos, acolhedora

às vezes nem isso consigo
às vezes tenho êxito
e sorrio
radiante
ou melancolicamente.

(lua em câncer, lua em câncer)

fluxo

penso
sinto
peso
suspiro

reflito
teorizo
reorganizo

escrevo
apago
reescrevo
penso melhor:
não, não

só queria poder deixar fluir
escorrer a palavra amorfa pelos dedos
transcrever o fluxo
transgredir o tudo

queria poder gritar a verdade
mas sempre achei que não é grandes bosta ser honesta
isso não é mais do que a obrigação
e não é uma boa razão para ser vil 
sempre detestei quem é cruel e diz que está apenas falando a verdade
existem tantas formar de dizer a verdade
e não só tergiversar como um covarde
mas dizê-la como é sem esquecer-se da empatia

não acredito que precisamos lembrar às pessoas para serem gentis
todes sentimos dor
isso não seria razão o bastante para procurar a delicadeza?

somos todes falíveis
somos todes projetos
somos todes inacabados
e somos todes valiosos
de alguma forma

abençoade és se você não precisou da vida inteira pra perceber isso.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

uno

meu amor não é legião, não
é só um
que eu me esforço diuturnamente para transformar em inspiração
e não em peso
não bola e corrente em meus calcanhares
mas em asas

eu poderia, agora, fumar um cigarro
na janela
pensando sobre nós
sobre seu sorriso
seu sorriso
seus lábios
seus olhos tão escuros
e tão expressivos
ninguém tem olhos no formato dos teus
parei de fumar
não parei de lembrar

quase todo mundo se apaixona
e quase todo mundo se envolve
pelo menos uma vez
afinal, no final
me sinto grata por me lembrar dessas coisas
me lembrar dos abraços
e das pernas enlaçadas
e de tantas piadas
e xícaras de café

me lembro da lealdade
inabalável
me lembro do amor
da confiança
da intimidade
imperturbável
impenetrável

no final
estou feliz
por amar
amar e só
sem exigir reciprocidade
sem exigir nada
sem fingir nada
sem fugir e sem me forçar 
só sorrir
e sentir
em cada partezinha de mim
amor
tão real
e pulsante
quanto a vida.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

dura lex, sed lex


meu pensamento sempre volta a você
eu não te vejo pessoalmente há 4 meses
você está a 1700km de distância
e eu penso em você  o-tempo-todo
e às vezes
eu sinto sua presença de um jeito físico, íntimo e
inexplicável
mas acho que é coisa da minha cabeça
acho que se tivéssemos algum tipo
de ligação espiritual
seria mútua
não unilateral

às vezes eu me pergunto se nossa história realmente existiu
mas tenho fotos
e testemunhas
e lembranças muito complexas para serem forjadas
afinal, não sou psicótica
só alguém atormentada por saudades
do intangível.

(se eu pudesse fazer um acordo com deus*,
eu não trocaria nossos lugares.
mas faria um acordo de que, caso ele exista,
ele te proteja e te ajude a encontrar sua paz.

a minha, encontrei. falta algo. mas cá está.)

* http://www.youtube.com/watch?v=xH6AOaqVsGA

querer bem

espero que a essa hora
você esteja dormindo
e que seus sonhos
sejam
doces

espero que amanhã você acorde
e que seu dia seja
doce
e que mesmo combatendo contra o mundo
seu coração não doa

espero que você tenha um amor
para celebrar e viver
e que seja
doce

eu te desejo, em suma,
o que não tenho
ou
o que me escapou pelas mãos
mas sou uma moça persistente
e vou retomar minha vida
e serei tão feliz quanto desejo que você seja

um dia.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Pasta azul da minha mãe

Se eu pudesse reaver aquela pasta azul
Com escritos e desenhos meus e dela, desde talvez 1999
Eu tinha só 5 anos
Mas nossa sinfonia era tão afinada
A conexão não era sanguínea ou genética
Era de alma

Se eu pudesse reaver aquela pasta azul
Ficaria tudo blue, como ela dizia
Embora "tudo blue" significasse "tudo bem", não "tudo triste"
Triste fico eu pois sei que jamais terei novamente aquela pasta

Se eu pudesse reaver aquela pasta azul
Eu levaria os poemas dela ao sarau do Palavreado
Eu mostraria aos presentes a força da palavra
De uma mulher considerada louca
De uma mulher considerada irresponsável
Uma mulher que desviava da norma
Uma mulher soberbamente divergente
Três caracteres de um CID
Não dão nem sombra de toda a genialidade dela
A inefável subjetividade dela
Ou a minha, também patologizada

Se eu pudesse reaver aquela pasta azul
Declamaria pra vocês aqueles poemas
Mas jamais terei novamente
Só posso oferecer minha própria palavra
Da herdeira marcada pela loucura, amor, ausência e perda
O resto é silêncio, e saudade.

pânico

acabei de passar por algo horrível
e senti uma necessidade tão forte de falar com ele quanto a de fumar e chorar
mas agora já não sou apenas dependente emocionalmente
também sinto vontade de falar sobre quando estou ótima e me sinto feliz por estar viva
contenho essa vontade
porque sei que não devemos mais nos falar

mas hoje eu precisei falar
não precisei de ti
mas precisei saber da tua existência
e fingir que posso contar com ela
para que isso fosse suportável.

desculpa.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

suspiro

"não podia mesmo dar certo", suspirou ela
até estatisticamente
eram muito novos
ele era muito sensato
e ela estava cega de dor
ela era um livro aberto
ele, fechado
ela era emotiva
ele, contido

mas se amavam
o melhor que podiam
o que não era pouca coisa
e amor dele ajudou-a se manter viva
e a paixão dela quase terminou de matá-la
até que ela aprendeu a ressignificar o que não se pode ter
e entendeu que a ausência é uma força criativa

não podia mesmo dar certo
mas mesmo que pudesse
desta vez, não deu.

suspiro.

Salsinha

Enquanto picava a salsinha para temperar a batata, Stella sorriu de leve. Ele não gostava de salsinha, e por isso, ela não usava. Mas agora eles não estavam mais juntos e ela podia colocar tanta salsinha quanto quisesse.

Uma pequena vitória triunfante que não valia de nada comparado ao quanto ela ainda queria tê-lo dormindo ao lado dela todas as noites e manhãs. Mas as coisas são como são.

Ao menos tinha batatas assadas. Com salsinha.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

catando os cacos

vou encher meu coração de compaixão
porque paixão romântica mata
e eu quero viver

se você deixar
uma paixão mal posicionada te come inteira
e teus restos não servem mais pra nada

e prefiro parar por aqui, enquanto meus cacos ainda refletem a luz
porque sei que ainda posso, com sorte, voltar ao ponto em que
mesmo que talvez eu nunca torne a ser inteira,
esses cacos não firam os pés de quem se aproximar de mim.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Sobre suicídio, condenação e solidariedade

 Existe uma mulher muito maravilhosa chamada Adriana Mendes, jornalista, guerreira, e igualmente, como eu, fã de The Cure e Smiths que me citou num post dela. Eu havia postado uma imagem do Calvin e Haroldo (que nem sei se era a tirinha original; acredito que substituíram as falas) falando sobre bandas de mEtAl e a mãe do Calvin dizendo que se eles fossem tão tr00 assim eles se matariam num ritual satânico no meio de um show, e que na verdade eles só falavam desses assuntos nas músicas pelo dinheiro. Eu compartilhei a imagem e comentei da minha teoria de que o Robert Smith e o Morrissey são dois posers porque estão desde os anos 80 falando de suicídio sem concretizar.

Mas o post dela apenas citou isso, por cima; era um post sobre suicídio, especificamente, o suicídio do Champignon, da banda Charlie Brown Jr.

Eu não ouço Charlie Brown. Eu não estou inteirada do caso. Contudo, suicídio é um tema que me toca profundamente.

Eu tentei me matar pela primeira vez aos 10 anos de idade - enforcada. A segunda, aos 12, com overdose de medicamentos. Aos 15, enforcada. Aos 18, aluguei um quarto do 13º andar pra me jogar, tentei injetar vaselina na veia (não tenho as manha), cogitei me enforcar, caminhei até a rodoviária do Plano pra me jogar (chegando lá achei que não seria alto o bastante), e, por fim, tomei meu antidepressivo em superdosagem. Acordei com uma crise de ansiedade terrível e, desde então, decidi que, por ora, não quero morrer. Isso foi em julho.

Recentemente, no dia 1º de setembro, eu completei 19 anos, e no dia 2, me tatuei. Tatuei "Choose Life." "Escolha vida."









Como eu disse a uma amiga,
"Eu acho que suicídio é meu fantasma da vida inteira
por isso que quero tatuar choose life
pra quando tudo doer muito e eu ver a tattoo no espelho, eu lembre de que a tattoo doeu mas tá ali pra sempre
e que algumas dores são transitórias também
e porque, se um dia eu realmente não conseguir ir além, vai estar gravado na minha pele o quanto eu tentei, tentei a sério e com tudo de mim"
 

Ela: "é como se vc admitisse que o suicidio é uma parte de vc que vai existir pra sempre, mas q ela pode se manter menos forte que outras vontades."
 

Eu: "sim
é bem isso mesmo

eu não ouso dizer "estou curada", "essa ideia está totalmente fora de cogitação"

o que digo é: tentarei ser mais forte que isso

tentarei domar a ânsia.
"

Eu tatuei Choose Life, porque eu quero viver, e, mais importante, para eu ter isso gravado na minha pele. Eu dizia muitas vezes a meu ex namorado que eu tinha vontade de tatuar alguma frase relacionada a força, resistência, sobrevivência, porém, que eu temia tatuar e um dia de fato me suicidar e a tatuagem me denunciar como uma covarde. Eu já não penso assim.

Suicidas nunca são covardes. Suicidas nunca são fracos. Cada dia em que acordamos vives é um novo marco de que nunca vivemos, numericamente, tantos dias quanto aquele. E sobreviver custa caro. Todas as pessoas que estão vivas, hoje, merecem parabéns por terem conseguido isso, especialmente se o fizeram e fazem tentando não prejudicar o próximo.

Eu já discuti com um bom número de psiquiatras, durante o pior da minha depressão, quando eu estava decidida a me suicidar. E, francamente? Eu tenho certeza que eles não entendiam essa vontade. Na minha opinião, por trás dessa ideia de patologizar tode suicida (a todes se atribuem ou atribuiríam depressão ou qualquer desordem psiquiátrica), e interná-les, existe um medo muito grande de admitir que uma pessoa totalmente lúcida possa sentir tanta dor que decida pôr fim a própria vida. Disso, decorrem inúmeras besteiras sobre suicidas, do tipo "Poderia ter tentado mais", "Não se esforçou o bastante", "Jovem demais", "Tinha saúde", "Deveria ter procurado ajuda."

"Deveria ter procurado ajuda". Era esse o ponto que eu queria chegar.

Quando alguém diz isso, a que tipo de ajuda a pessoa se refere? Profissional? Acho importantíssimo refletir sobre por que depositar tantas esperanças nas ciências psi, e mais do que isso: Refletir sobre o que qualquer um pode fazer.

Você acredita que você seja uma pessoa que um suicida poderia ligar para pedir ajuda? Você acredita que você mostra às pessoas que lhe cercam que você está disposte a apoiá-las, cuidar delas, ouvi-las e respeitá-las caso elas recorram a você?

Eu tive essas pessoas, esse ano. Nunca na vida eu tive tanta certeza de que eu era amada e tinha em quem me apoiar.

Já postei aqui no blog o que o psicanalista do Yoñlu falou:

"Namorar a idéia do suicídio é uma coisa que muita gente faz, é fantasia comum na adolescência e visitante freqüente dos desesperados. Chegar à beira de se matar também é algo que ocorre muito mais do que se admite publicamente, mesmo com pessoas que estão bem acompanhadas na vida, que possuem vínculos sólidos. Mas poucos chegam a se matar. Na hora, falta uma energia extra. Há uma força vital que nos segura no último momento. Essa força que nos prende ao grupo, às outras pessoas, ao quanto os outros gostam da gente e ao quanto nós gostamos dos outros. Isso tece uma rede, uma teia que nos suporta na vida. Muitas vezes, quando o sangue aparece nos pulsos cortados, as pessoas acordam do seu transe mortífero e pedem ajuda. Para dar esse último passo, se suicidar, é preciso de um desespero, de uma desesperança muito forte ou de alguém que te puxe para baixo."*

E eu comentei, dia 8 de fevereiro deste ano: Minha teia contra minha desesperança. Façamos nossas apostas. 

Houve um tempo em que mesmo a teia existindo, a desesperança quase me levou embora. Nessa última tentativa de suicídio, com os medicamentos, eu fiquei em dúvida entre tentar me enforcar ou tomar os remédios. Optei pelos remédios. Creio que uma parte de mim quis dar uma chance de eu falhar. E felizmente, falhei.

Há quem não falhe. Há quem tenha êxito no suicídio. Minha mãe teve.

As religiões, majoritariamente, condenam o suicida a sofrimentos terríveis após sua morte. Muita gente cita "Ser ou não ser, eis a questão", do Hamlet, peça do Shakespeare, todavia, poucos sabem que esse trecho é uma divagação sobre suicídio. 

Ele diz:  
"Morrer... dormir; nada mais! E com o sono, dizem, terminamos o pesar do coração e os mil naturais conflitos que constituem a herança da carne! Que fim poderia ser mais devotadamente desejado? Morrer... dormir! Dormir!... Talvez sonhar! Sim, eis aí a dificuldade! Porque é forçoso que nos detenhamos a considerar que sonhos possam sobrevir, durante o sono da morte, quando nos tenhamos libertado do torvelinho da vida. Aí está a reflexão que torna uma calamidade a vida assim tão longa!" 
E se põe a citar várias coisas desagradáveis que viver nos obriga a enfrentar. E para mim faz muito sentido: as religiões condenam o suicida (o que eu acho extremamente cruel) como um mecanismo de controle. Através do medo, tentam impedir as pessoas a suicidar-se. Porque de fato, se a morte é o supremo desconhecido, suicidar-se é espontaneamente lançar-se a ela. E ainda há quem diga que suicidas são covardes. Acredito, também, que a patologização do suicídio também se preste a esse controle: vamos dar um remedinhos que deixem essa pessoa tão anestesiada que não se jogue da janela, mas ainda produtiva. Produtiva pra ela mesma? Não, ingênue: para o mercado de trabalho, para suas obrigações perante a sociedade.

Se alguém se suicida, o sofrimento não foi pequeno. Julgar essas pessoas é julgar-se dotade de uma força moral  da sobrevivência que essas pessoas também tiveram, até o momento em que deixaram de ter.

Em vez lamentar suicídios, ou ceder a essa ânsia cruel de condená-los e julgá-los, é muito mais producente tentar evitar suicídios.

Seja sensível ao sofrimento alheio. Ofereça ajuda. Pergunte com honestidade como as pessoas estão; tenha tempo para as pessoas. Talvez a pessoa não esteja nem cogitando suicídio, mas está mal, e às vezes gentileza gratuita e inesperada pode realmente mudar um dia. Ou salvar uma existência.

Eu que o diga.

Obrigada a todes que me querem viva e me ajudaram a conseguir nisso. 


1- Post da Adriana Linda: http://etudoverdademesmo.blogspot.com.br/2013/09/a-decisao-de-champignon.html?spref=fb

2- Post em que está a entrevista do psicanalista do Yoñlu: http://conhecerparaprevenir.blogspot.com.br/2009/08/o-caso-vinicius-em-uma-corajosa.html

3- Post da citação de Hamlet: http://abaixoagravidade.blogspot.com.br/2013/07/shakespeare-hamlet.html

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Hesitation wounds

Elliot Smith had no hesitation wounds*
some people think he was stabbed by his girlfriend
I guess they never heard about King's Crossing

I have no hesitation wounds either
no hesitation wound in my flesh

Mine are invisible
and heavy.

smile like you mean it

a gente vai
a gente toma um rumo
a gente finge
a gente se esforça

a gente vai
a gente fecha os olhos, suspira
sente o peso
a gente só vai
às vezes só ir basta
noutras não

contudo, a gente vai
e eu, mesmo estagnada, preciso ir
vou fingir
até se tornar verdade
e se não se tornar
me limitarei a caminhar

Chama e fumo


Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Portanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?...)
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas...tem de ser...
Amor?...- chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa.

- Manoel Bandeira