terça-feira, 26 de janeiro de 2016

depois da queda

Para Kenah, Clarisse e Juliana

eu amei um rapaz
e eu o amei
tão profundamente
tão intensamente
tão desesperadamente
que mesmo amando tantas outras coisas
eu queria deixar a Terra
quando a jornada junto a ele
acabou

nove meses depois
a vida floresceu em mim
a poetisa em mim
a curandeira em mim
a cozinheira em mim
a amiga em mim
a irmã em mim
o ser divino em mim
todas as partículas emergiram
e continuam a emergir
e seguindo e buscando
eu fui encontrando significados
razões e sentires

eu lembro daquele dia no hospital
e eu lembro que a dor era tão imensa que eu sentia que ela me deformava
e eu tinha quase vergonha das amigas minhas que estavam ali
e elas me viram num estado de desespero tão cru
e me amaram
e eu as amei
e tenho amado tanta gente
não romanticamente
e meus pedaços pela estrada
não são metades arrancadas
são fagulhas do eterno
são pedaços cintilantes lapidados na dor
são pedaços de cristais
com os quais presenteio minhas irmãs
e meus iguais.

domingo, 24 de janeiro de 2016

dormir só

durante as madrugadas
eu penso em quem eu amo
e do lado de quem não durmo mais

e eu me pergunto
se as pessoas que me amaram
também pensam
vez ou outra
no calor do meu corpo pequeno
do lado cama virado pra parede

eu preciso aprender a dormir sozinha
sem tatear pela cama
a falta de um corpo
que me desse segurança
eu preciso parar de procurar um lar
em outro corpo
e me contentar com um teto
com meus gatos
me contentar com o calor do meu próprio corpo
quarenta e poucos quilos de saudades

às vezes eu acho que se eu pudesse curar
a falta da minha mãe
subitamente, peças se encaixariam
minha psique se reorganizaria
e viver
doeria menos
mas cada falta e cada ausência
e cada perda e cada abraço
interrompido
são como sal esfregado nas feridas
são metáforas da saudade
e da dor que nunca passa.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Shine on you crazy diamond

Eu queria escrever um conto sobre saudades.

Sobre transcendê-las.

Eu gosto dos meus contos curtos.

Eu gosto das minhas metáforas e,
como escrevi uma vez,
escrever é a minha metáfora para sobreviver.

Eu queria escrever um conto sobre saudades
sobre como, apesar de tudo
a gente vive com elas
a gente sobrevive a elas
de todas as espécies

Eu queria escrever um conto bonito e eufônico sobre a falta
as faltas
metades soltas das saudades

Como já escrevi, também
quando escrevo sou rainha de um império imaterial
E ao escrever esse conto
eu sentiria que reescrevo levemente minha história
nesse conto haveria alguma lição moralizante sobre escolher lidar
escolher seguir
e ressignificar
as faltas

E eu não consegui escrever esse conto
essa noite
são quase 3 da manhã
e meus olhos estão cansados
e meu coraçãozinho está fatigado
de um jeito que esgota as ideias das metáforas
adequadas
para transmitir esse tipo
de esperança

fica um poema com pouco brilho
um poema que é o que deu pra ser
como todos somos, no final das contas
os sobreviventes do que conseguimos ser
no final das noites.