segunda-feira, 28 de setembro de 2015

desamor

existe amor para mulheres não-neurotípicas?
para os homens existe
amamos os adoecidos e os viciados
amamos os adúlteros e os ingratos
amamos a eles como não amamos a nós mesmas
(assim nos foi ensinado -
tacitamente)

eu quero que alguém transborde por mim
em vez de acabar exaurida
exangue
de dar o que não posso receber
que eu aprenda a escolher
qual solo merece meu depósito de amor
para que eu irrigue e na hora certa o amor
floresça
e eu mesma não pereça
estou cansada de perder pedaços pelo caminho
que alguém os encontre
e me encontre
no final da estrada.

dístico da distância

bonito como um anjo ateísta
e tão inacessível quanto.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

etéreo

talvez o amor por vezes
seja um conto iniciático
sobre perder o medo da morte

noutras vezes talvez o amor seja a morte em si
e todos os renascimentos posteriores
a dualidade entre a consciência
e a matéria
toda a fragilidade corpórea
dançando e se equilibrando para desvelar os mistérios
de um corpo etéreo.

paradigmä

quebrando o paradigma
da natureza humana
da utopia nada biológica
de morrer ao lado de alguém

aprendendo a amar
ciente da impermanência
mergulhando na essência do outro
sem dissolvê-la
nem dissolver-se

aprendendo a me entregar
dando tudo que tenho
sem jamais abdicar
da minha identidade
nem da minha sanidade
emocional

suavizando as arestas
da consciência de um possível fim
beijando com cuidado
a alma de alguém

domingo, 13 de setembro de 2015

domingo

e no sétimo dia Deus descansou
e eu descansei
nos seus braços

e no sétimo dia eu descansei
da semana
mas não precisei descansar
de você
pois não me cansei

e no sétimo dia eu inventariei
minhas cicatrizes
e lembrei de que se a vida pode ser doce
então os afetos podem ser doces também
e eu não mereço menos que isso

e no sétimo dia apesar do corpo cansado
o sorriso estava nos meus lábios
e a paz de espírito na minha mente
e a esperança em meu coração.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

otherkin

me mostre sons melódicos
e eu aceito os de desespero
mas por favor
não me faça sentir desespero mais

me mostre sons de tristeza visceral
mas por favor
não me faça senti-la mais

me mostre quem você é
aceitando quem sou
mas por favor
não exija que eu seja
quem não sou

conversemos sobre filosofia
mas favor entenda
que se eu parar de ver sentido na minha existência
de novo
será deveras perigoso
e não uma filosófica angst do ser

eu levei a vida inteira pra me sentir a vontade
na minha própria pele
por favor, venha somar
venha celebrar
se é pra estar aqui só por estar
por favor, me deixe estar só
porque quando amo
amo de verdade
se é pra deixar passar
como uma onda que vem e vai
se é para somente eu ser tragada pelo mar
se é pra eu mergulhar profundamente sozinha
se você não for me acompanhar
então por favor meça com cuidado
cada ato direcionado
porque mereço ser feliz
bem como tanto quis
fazer a quem amei também
e não consegui

e cada vez que sinto suas mãos delicadamente no meu rosto
nos meus cabelos
como tanto quis
me perco um pouco mais na embriaguez
da esperança de um amor fresco e novo
sem morte e sem tragédia
um amor simples como a chuva depois da seca
um amor doce como um gesto singelo
um amor suave
um amor que me permitisse florescer
serenamente presente
vivendo a presença em cada momento
sem idealizar futuros
sem prometer e sem cobrar
apenas sendo
apenas vivendo
apenas cuidando
e sendo cuidada
como merecemos ser, todos nós
e eu e você.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

do amor e suas metáforas

o amor é uma metáfora
para a impermanência

o amor reside na cumplicidade
dos olhares
e na simplicidade
dos detalhes

o amor é uma metáfora
para a imanência

o amor é uma passagem
da vida para a Vida

o amor é feito
de ser e deixar ser
de estar e
deixar ir

o amor é um desafio
para as leis maiores

o amor é um sonho
que emerge da consciência coletiva
de uma humanidade cansada
e, contudo
sonhadora

o amor é uma palavra
gasta
em nome dele criamos impérios ilusórios
em nome dele realizamos façanhas improváveis
em nome dele mergulhamos
no abismo do mar profundo
de outro ser
e sempre só nos resta
aprender a nadar
enquanto é possível
estar

permanecer, no amor
vale a pena somente
na transitoriedade do possível
do cabível
o critério tem de ser saúde
tem de ser coexistir em paz

o amor é a maior das leis
quando se caminha com o pensamento certo
amor é medicina
pra quem quer aprender a se curar
tendo humildade
de entender
que não se possui seres humanos
nem almas
nem corações

o amor é a lembrança imortal
do lar do qual viemos
e ao qual retornaremos
se fizermos por merecer.