segunda-feira, 22 de agosto de 2016

incognoscível

para Caio Victor Siqueira e Aryanne Audrey, por vivermos buscas análogas e para Augusto Miranda, amizade virtual com apoio real, por partilharmos reflexões orwellianas "Podiam desnudar, nos mínimos detalhes, tudo quanto houvesse feito, dito ou pensado; mas o imo do coração, cujo funcionamento é um mistério para o próprio indivíduo, continuava inexpugnável." - 1984 aprendi que transcender a margem os limites impostos pelo outro lado do laço no tocante a intimidade é algo dado, oferecido, conquistado conquistado não como se invade e saqueia [uma terra a ser colonizada (meu amor é anarquia, não hierarquia ou domínio) o território sagrado que é a alma, a vida o espaço psíquico e físico do outro é conquista descolonizada erigida consistentemente progressivamente sinuosamente na base do cuidado quem quiser adentrar, pise sempre com cautela há mais quebras graves no território do outro do que um mero pisar e quebrar em galhos secos há quebras mais severas ocasionadas por descuido como evitá-las? atenção plena reflexão incessante uma dose de sorte de quebra de paradigmas e ressignificar os sentidos e sentires entrar no território do outro e da outra é privilégio é espaço sagrado sacralidade independente de teísmo o amor é sempre metafísico não? creio que sim e a magia cotidiana do sentir aos meus olhos é contra hegemonia solidariedade anticapitalista a medicina da empatia e nessa pedagogia diária sinto-me grata por estar viva para depois de quase arrebentar de tanta dor ser presenteada pela vida experienciando cores tão bonitas quanto as tuas.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Apaixonar é se perder. Perder-se também é caminho.

Talvez o ápice da paixão seja um pouco incompatível com a vida. Pathos, patologia, paixão: mesma etimologia. Talvez, porém, um certo nível de paixão seja exigência para as poetas. Não necessariamente por alguém, mas facilita.

Em todo caso, a pulsão imensa, a ânsia, sentir o coração mais forte, sentir suas batidas por todo corpo. Sentir as mãos suadas, ou geladas, ou tremendo. Sentir uma angústia criativa, se bem direcionada. Destrutiva, se não contida ou transmutada. Ser roída viva pela violência transbordante de um sentimento. Passionalidade, a onda que traga. Afogar-se no outro. Ou em si. Um mar de possibilidades.

Há quem tente resistir. Eu não tentei.

Aceitei. Me entreguei. Entrei no mar.

Afoguei?

Não sei.

Tenho tentado aprender a nadar. Entrar no mar com cautela. Bóias seriam de todo inúteis. Talvez entrando no mar com mais calma. Com mãos calmas.

Os impulsos são viscerais, contudo.

E o mar alheio é sempre incógnita. É escuro, e mesmo os mares mais límpidos e turquesa guardam segredos. Todo mar tem mistérios. Todo mar é mistério.

Sou d'Oxum. Amo e respeito Iemanjá, sou uma boa filha das águas. As minhas, porém, são as doces e geladas. A água da cachoeira e dos rios. Suave e sinuosa, a água boa de beber. Água que nutre. O amor é o domínio dela, Oxum, orixá da beleza e da riqueza.

Desconheço riqueza maior do que amar e ser amada, inclusive.

Oxum também é senhora das lágrimas. "Pergunte ao seu orixá: amor só é bom se doer?" Preferível sempre que não doa. Mas se a dor é inerente a vida, como não ter suas aparições no amor, que é vida pura?

Vida que pulsa. Vida que finda. Vida que pune e recompensa. Vida que sangra e que cura, vida que aspiramos arduamente tornar digna de ser vivida.

Paixão é a patologia de amar com tal intensidade que beira a loucura. O desespero. Paixão é falta de controle.

Apaixonar é se perder.
"Perder-se também é caminho."

Tracemos caminhos doces. Abandonemos os que traem a nós.

Pois se o amor não for libertário e emancipatório, criação e autonomia, se o amor não for potência que liberta e rompe limites, então o que será?

"Amor livre? Como se o amor pudesse ser outra coisa que não livre!" - Emma Goldman

terça-feira, 16 de agosto de 2016

sobre medos e amores II

as pessoas tem medo da palavra amor
e eu tenho medo da palavra suicídio
as pessoas tem medo da vulnerabilidade
e eu tenho medo dessa variação perversa de morte
violência brutal auto-infligida
violência simbólica da falta, da ausência
para sempre marcada na carne e na alma de quem fica

as pessoas tem medo da palavra amor,
e eu tenho medo, porque conheço,
do vácuo do excesso de dor
que resulta
num suicídio
e sua notícia

as pessoas tem medo da palavra amor
e nenhum medo nessa vida é fraqueza
eu, no entanto, temo outras coisas
e me dou o luxo de amar e sentir imensamente
e enxergar nisso fortaleza
("it takes strength to be gentle and kind",
gravei na pele)

as pessoas tem medo da palavra amor
e respeito, contudo, meu maior medo e receio
meu maior gatilho nessa vida
é a palavra suicídio
não é a palavra morte
nem despedida
nem rejeição
meu maior gatilho é a palavra suicídio
porque perpassa uma miríade de acúmulos
de sofrimentos indizíveis
que resultam na dicotomia absurda e dolorosa
da dor de não querer mais ficar viva
e a dor de ficar viva
após alguém que tinha uma parte nossa
partir assim

há quem tenha medo da palavra amor
mas eu amo muito e sempre
e digo
porque triste mesmo para mim
é morrer dessa forma supradita
tristeza de fato para mim não é não ouvir "eu também"
tristeza é querer e nunca mais pode dizer isso
para alguém ouvir
viva. vivo.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

contato

se eu não caibo na vida dele
então eu não preciso caber
então eu tenho de me bastar
então eu tenho de desistir

se não há tempo ou espaço
há de fato falta de vontade
se não há vontade de contato
resta-me o movimento retrátil
de introspectivo recolhimento

se não há dois de copas
sempre haverá o eremita
se não há reciprocidade
sempre é possível recolher meus braços e meus cacos
e caminhar resignadamente para o outro lado.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

reengenharia dos afetos

23.07.2016

para S.G.

amar você
tem sido uma das maiores dádivas
dos últimos dias
parcialmente em silêncio
com algumas várias pistas

se o amor é cuidar de um jardim querido
o cuidado é lindo em si
cuidado com as sementes
cuidado nas escolhas de adubos
para fertilizar a terra
cuidado com a água e o sol
e sempre pode florescer ou não
pode haver seca
pode haver pragas
num outono pode brotar
brotar magnífico, nutritivo
noutro pode fenecer

a magia da colheita
é a recompensa do esforço
frutos e flores possibilitados na base do cuidado

a magia do plantio, contudo
reside no cuidado em si
sem saber o que virá, nem como
a magia do plantio reside em saber plantar
com a delicadeza que exige a natureza alheia

saber plantar inclui saber esperar
e saber plantar inclui a noção sã
de que todo esforço pode vir a não ser flor
mas não será em vão

pois ao plantar com atenção plena
com devoção sincera
a jardineira encontra, se não frutos doces
frutos metafísicos e oníricos
ao plantar dentro de si
novos horizontes de esperança

anoiteça o que anoitecer
plantei e fui feliz
por crer que poderia encontrar
um solo em ti.