terça-feira, 29 de maio de 2012

Corpo

Um corpo morto é apenas um corpo. Um cadáver. Um corpo é rígido. É gelado. A expressão facial é completamente diferente da expressão de quando a pessoa era viva.

"Que expressão serena. Está em paz."

Dizer isso é um lugar comum. Para mim, nos mortos que vi até hoje, a expressão não era serena; era vazia, era uma face sem expressão. E mesmo que pareça serena, de que isso adianta se tira do rosto a identidade?

Um corpo morto, no velório, tem os olhos fechados. Os olhos, a janela da alma, estão fechados. A vida se esvaiu.

Um corpo é rígido e gelado. Mas eu o abracei. Digo "o" porque não abracei ela. Não abracei minha mãe. Abracei só um corpo, sem vida, sem identidade, sem calor.

Mas abracei. Abracei um corpo.
Preferia ter abraçado minha mãe.



Há uns três anos, ela me mandou uma carta na qual contava que um vizinho de nossa casa em Florianópolis havia morrido enquanto estava agachado pintando o muro. E lá ficou, morto e agachado. Quando sua esposa chegou, chamou a polícia e as formalidades cabíveis.

Mas, segundo minha mãe, não tocou no corpo. Em nenhum momento. Minha mãe comentou na carta que eles eram um casal convencional, juntos há décadas. Que a mulher era uma mulher convencional. E que não tocou no corpo. Minha mãe achava que ela deveria ter tocado.

Eu não sei se ela deveria ter tocado. Isso é de foro íntimo. Mas eu toquei. Eu fiz carinho na testa gelada e desejei ter feito mais isso quando era quente.

Vou sentir saudade todos os dias da minha vida.Que essa saudade por vezes tão cruel e dolorosa me sirva como lembrete para amar direito os presentes.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Florence and the machine - Blinding

No more dreaming of the dead as if death itself was undone
No more calling like a crow for a boy, for a body in the garden
No more dreaming like a girl so in love, so in love
No more dreaming like a girl so in love, so in love
No more dreaming like a girl so in love with the wrong world. 

domingo, 27 de maio de 2012

"Devo manter meu coração cheio de amor hoje pois de que outra maneira poderei suportar mais esse dia?"

Sempre pensei assim.





Mas hoje sei que o amor não vai me salvar.

Acho que nada vai.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Carissa's Wierd - September come take this heart away

This room has so many windows
Too many windows
I've sat and watched the trees framed to fade outside
I hope the seasons treat you well
I hope the seasons treat you kind
As kind as I never was
As comforting as I never could be

I saw 2 fake long stemmed roses
On the windshield of a car
September come please take this heart away
All of these windows
Bring in the cold air
I hope you have a coat
To keep you warm
Warmer than those last times we spoke
Warmer than the last words we said
I'm sure the wind blows gently on you now

I hope that nothing will ever remind you of me
Glue that faded photo on a worn out journal page
It reads September come, please take this heart away

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O único conselho que eu talvez possa dar

A gente endeusa os ausentes. Aqueles ausentes porque as vidas  pararam de se cruzar com as nossas e tomaram rumos diferentes. Galeras diferentes, cidades diferentes, hobbies diferentes, empregos diferentes. Endeusa como se houvesse sido uma época gloriosa e dourada, porque a ausência dá uma tonalidade totalmente nova às lembranças. E a gente endeusa os mortos.

Esse post é só uma dica humilde de uma garota de dezessete anos bastante ferrada, mas com boas intenções:
A vida é terrivelmente transitória. Terrivelmente breve, terrivelmente frágil. Portanto,

é importante dizer a quem você ama o quanto você os ama enquanto eles ainda podem te ouvir.

E não só dizer, porque dizer às vezes é muito fácil. É importante abraçar, cuidar, ouvir. Ouvir. Ligue pras pessoas que você gosta, pergunte, com sinceridade, como elas estão. Não as deixe só, imersas em dor.


Só digo isso porque eu queria ter feito isso. Pior que eu sou uma pessoa que acredita de verdade que amor, devoção, responsabilidade e lealdade devem andar sempre juntos. Costumo levar isso a sério e me esforçar pra ser assim com quem eu amo.

Mas falhei, falhei, falhei. Falhei miseravelmente com ela.

Perdão.


E você aí, que me lê, ou não: Ame. Ame direito. Não queira esperar sentir a dor de quando a ausência é definitiva e eterna. Acredite: dói demais. Cuide bem das pessoas que você ama enquanto você tem oportunidade.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Björk - Hyperballad

It's real early morning
No-one is awake
I'm back at my cliff
Still throwing things off
I listen to the sounds they make
On their way down
I follow with my eyes 'til they crash
And imagine what my body would sound like
Slamming against those rocks

And when it lands
Will my eyes be closed or open?

I go through all this
Before you wake up
So I can feel happier
To be safe up here with you.

sábado, 19 de maio de 2012

A morte é a verdade absoluta.

Esmagadora. Inexorável.

Não há lágrimas que revertam a morte. Não há dinheiro, não há desespero ou desamparo que a compadeçam. Especialmente quando essa morte foi escolhida.

Queria abraçá-la de novo. Acima de tudo, queria abraçá-la de novo. Queria sentir aquele 1,57m e ouvir sua risada e mostrar coisas a ela.

Dói, dói, dói. Disseram-me: "Perdi minha mãe há 20 anos e ainda dói." Tenho um belo futuro pela frente então.

É possível encontrar um lugar no mundo para mim? Ela jamais encontrou; ela me disse isso ano passado.

A pessoa mais parecida comigo.


Que fim horrível.

Queria ter fé. Não a parte dos preconceitos e da esquizofrenia. Queria só o conforto de conseguir acreditar num deus compassivo que assegurasse paz a ela. A paz que eu queria ter dado.

A presença da ausência é muito forte. Parece que eu morri um pouco junto. É um universo enorme de coisas que fazem falta e coisas que eu queria compartilhar e não posso. De comidas a viagens. De discussão sobre livros a xícaras de chá mate.

Que saudade. Se ao menos esse pranto servisse pra aliviar sua alma.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Poucas coisas são tão tristes quanto ver algo que você gostaria de compartilhar com alguém que morreu.


Vou passar o resto da vida imaginando suas respostas.



"Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste."
- Pablo Neruda

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Vai, Giovana, ser gauche na vida

Eu espero por epifanias que não virão
Pelo súbito despertar de consciência e iluminação
Por certezas, verdade e convicção

Queria respostas prontas e dogmas
Queria crenças enlatadas
Queria ser quem aceita de bom grado isso tudo
Mas eu me ofendo com mediocridade
Eu não toleraria uma vida de superficialidade

Não, na verdade
Não me serve a alienação
Não me serve viver no raso
No fácil, no óbvio, no supostamente nato
Não me servem coisas impostas

Eu escolhi o amor, a verdade, a política e a empatia
E mesmo que isso me arruine
Eu escolhi
E vou até o fim.

domingo, 6 de maio de 2012

In memoriam

Você está no meu jeito de abraçar. No meu jeito de gostar de mãos, de ser prestativa e atenciosa com quem eu gosto. Você está na minha atenção com os detalhes. Você está no meu jeito de amar.

Você está nas minhas mãos que se tornaram levemente marcadas por cortes estúpidos na cozinha, como as suas eram. Você está no meu gosto pelos livros, na minha alfabetização precoce. Na Mafalda, Grimble, no Voltaire, George Orwell, no livro do Nietzsche que eu convenci ele a te comprar uma vez. Você está no fato de eu saber escrever Nietzsche e saber mais ou menos quem ele foi.

Você está na minha suposta habilidade na escrita. Você está no meu gosto por The Wall, por Pink Floyd, Brain Damage. Por If. Por Cremant nuvols, por Run run se fue pa'l norte, por The Scientist, When you were young, O Peixe, Colorblind.

Você está no meu gosto por chá mate, erva doce, cidreira, hortelã. Do mingau de aveia que talvez eu nunca mais tome. Na lentilha, no feijão, no tahine, no quiabo, na torta de limão, nos bolos que você não sabia fazer.

Você está na tua risada escandalosa, como você contou da primeira frase que eu li - "Alugo mobilete". Eu era novíssima (3 anos? 4?), e você contou que ficou encantada e riu bem alto. E eu fiquei meio assustada. Isso é bem nossa cara.

Você está nas correções que não fez na minha alfabetização, porque achava meus erros (como um "E" com muito mais de três traços) bonitinhos.

Você está no meu senso de humor, no meu jeito contestador. Você está no meus valores, na integridade e honestidade que eu tento sempre ter.

Você está no fato de eu gostar do jeito que certas pessoas mexem no meu cabelo - porque é parecido com o jeito que você mexia. Você era muito carinhosa. E dizem que eu também sou.

Você está na minha baixa estatura."Soy pequena pero cumplidora/compridona". Você está nos nossos infinitos trocadilhos e piadas internas. Você está nas nossas análises intuitivas sobre as pessoas e fatos. Você odiava hipocrisia.

Você está nas coisas que costurou pra mim, e no pouco que sei costurar. Você está nos nossos desenhos. Você está nas nossas viagens.

Você está em mim inteira. Em inúmeros aspectos meus. Você está nos sucessos que eu espero obter e queria que você assistisse. Você está em dezessete anos de lembranças. Você está no mero fato de eu existir, e o tanto que te condenei por isso.

E eu te amo. E você está na minha crença no amor.

"Qualquer amor é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura." 
- João Guimarães Rosa, teu escritor favorito. E eu espero que você descanse, mãe, que você descanse. Espero que encontre paz. Queria ter te abraçado mais nos últimos tempos. Mas acho que você me perdoa. 


Vou honrar sua memória.


Eu te amo. Você tinha duas pastas de desenhos nos quais eu dizia basicamente isso. Mas eu ainda queria ter dito isso mais.



Enquanto eu viver, sentirei saudade. Descanse.

* 21/11/1957
†  04/05/2012

terça-feira, 1 de maio de 2012

Pequenas epifanias

"Qualquer amor é um pouquinho de saúde, um descanso da loucura."
- Guimarães Rosa

Esses dias tem sido doces. E li algumas postagens muito bonitas hoje.

Cheguei a uma conclusão simples, mas abençoada: Eu ainda sei amar. O amor continua sendo parte inerente da minha essência.

Isso pode parecer tão leve ou clichê. Mas para mim, significa muito. Porque eu sofri o suficiente pra ficar um bocado amargurada. E conheci pessoas o suficiente para me perguntar se eu não havia perdido a capacidade de amar. E isso me angustiou. Porque eu acredito de verdade que, se existe salvação para uma alma, ela é através do amor. Romântico, fraternal, seja pela humanidade, por uma única pessoa ou pelo seu gato. Mas algum tipo de amor. De conexão. 

(que fique claro que cada um encontra seu próprio caminho. Mas temi ter perdido esse que sempre me pareceu ser o meu.)

Sinto-me em paz. Espero que dure. A paz, digo. O resto... que seja doce. E que seja real. Só isso.