quinta-feira, 22 de julho de 2021

terrorismo de gênero

03.01.2017
para Lilian

estupro é terrorismo de gênero
feminicídio é terrorismo de gênero
violência doméstica é terrorismo de gênero

e vamos nomear os algozes: os homens
não é o patriarcado
entidade sistema abstrato
é essa ideologia misógina
que se corporifica em cada indivíduo
e sua subjetividade
homens - os que matam
mulheres - as que são mortas

Pimenta Neves matou Sandra
Mizael matou Mércia
Lindemberg matou Eloá
Vinicius matou Louise
Rendrik matou Suênia
Célio matou Lurdinha
Sidnei matou Isamara, Liliane,
Alessandra, Antonia, Abadia,
Ana Luzia, Larissa, Luzia, Caroline

quantas mais?
quantas a menos?
estupro é terrorismo de gênero
feminicídio é terrorismo de gênero
violência doméstica é terrorismo de gênero

não se enganem
nem tentem nos enganar
o que há não é uma guerra entre os sexos
o que há é um massacre contra as mulheres
promovido pelos homens

não há guerra
há possivelmente um genocídio sistemático
e o silêncio ensurdecedor
dos homens que dizem se importar
cobra o preço na nossa carne
cobra o preço ceifando nossa vida
cobra o preço culpando nós pelo que sofremos
mulheres
a classe sexual, o gênero
assassinado
pela violência diária
contra nossos corpos
contra nossos órgãos

é impossível
ser "boa o suficiente"
para não ser morta ou violentada

resta desobedecer com rebeldia
a passividade e a submissão
que tentam impor a nós
resta gritar, escrever, pixar
cantar, sabotar, insurgir, revoltar
resta saber resistir
resta buscar em si uma força absurda
para seguir viva e combativa
sem saber quando e quem
será a próxima agredida
violentada
estuprada
morta

nos matam para que nunca mais
possamos falar
mas as vivas sobreviventes que restam
falarão por todas nós
honraremos os ecos de nossas ancestrais,
irmãs, amigas, namoradas, desconhecidas
todas as vozes injustamente silenciadas
pela morte nas mãos de um homem
que, muitas vezes, tentamos inutilmente amar

o silêncio não vai nos proteger
gritemos.

domingo, 4 de julho de 2021

ctônica

03.07.2021
para Lilian, que me acompanha em tantas noites
escuras ou iridescentes 


sugada até a última gota e me pergunto 
quando crescer
se torna pertencer 

qual é o preço 
do peso de se conectar?
"suicídio não serve: 
não apaga ter sido"

tem quem não peça ajuda
porque não quer se mostrar vulnerável
tenho zero problemas com isso
tenho dificuldade de pedir ajuda
porque já negaram
e falharam
muitas vezes

e aparentemente sou adulta demais 
para precisar ou poder ser cuidada 
no nível do meu desamparo

cresci
com buracos negros na psique 
segundo o único psiquiatra que de fato me ouviu
na vida 
a maturidade precoce forçada em certas áreas
cobrou alto preço em outras 
e cresci arrebentada
performando funcionalidade 

mas a única coisa
que eu realmente queria
é paz de espírito 
é ser deixada em paz 

cresci com vários tipos de violência
e faltas 
nem por isso me embruteci
sempre fui capaz de amar
e muito
até que me destruí 
fui destruída, na verdade
de forma tão total e completa
que tem sido os cacos de uma aniquilação
que escrevem estas linhas
e pouca satisfação obtém delas 

quando penso que minha morte natural 
velhice, colapso
demoraria várias décadas 
sinto desespero 
não quero continuar por aqui tanto assim
eu já mal quero agora 

já ouvi de gente estúpida que eu não deveria 
falar da minha dor e depressão como faço 
publicamente
"para não me expôr"
já fui tão exposta sem querer 
exponho os cortes na minha carne em forma de poesia sim
e já ouvi que salvei a vida de alguém com isso 
bem mais de uma vez 
privacidade para o que me rasga? 
por quê? 
por que deveria eu 
dar o conforto do meu silêncio a sociedade psicofóbica
quando é ela que mata aos meus? 
"você não deveria escrever e falar tanto sobre suicídio"
sua opinião não me importa
é porque eu falo que ainda estou viva
apesar de nem querer
apesar de há mais de 15 anos torcer para não estar mais
é porque eu falo da minha dor
que ela ainda não me levou

enaltecem alguém morrer por uma causa
ou outrém
valor também reside
em viver por isso.