domingo, 27 de julho de 2014

Eparrei Iansã

Juliana tinha 8 anos e um padrasto alcóolatra e uma mãe simultaneamente genial e louca. Juliana tinha aquela doçura que demora muito a achar seu lugar no mundo. Se encontrava na literatura. As palavras a acolhiam. As crianças de sua idade, não.

Juliana era melancólica até os ossos. Sua mãe dava a ela bifes de fígado achando que ela era anêmica. Não era. Noutra ocasião, lhe deram vermífugo. Também não fez diferença. Ela só era meio inerte. Por fora. Por dentro, sua mente sempre borbulhou. Dolorosamente.

Juliana se sentia profundamente só. E não sabia lidar com aquilo. Queria compartilhar o universo dela com alguém. Havia feito isso com sua mãe com muito êxito até o momento em que aquilo se tornara muito raro, pois seu padrasto monopolizava a atenção de sua mãe.

Juliana queria sumir. E um dia, ouvindo falar que o final do arco-íris levava a um pote de ouro, resolveu segui-lo. Achava improvável. Contudo, precisava crer em algo. Pegou um ônibus que a levou do outro lado da cidade. Desceu numa praia que nunca tinha ido, embora tivesse crescido naquela ilha tão famosa por seus pontos turísticos. E andando andando andando chegou no topo de umas pedras à beira-mar. E ficou fixada olhando para as ondas bravias que se explodiam contra as rochas. E pensou que se caísse seus ossos se esmigalhariam e doeria tanto. E ela estava tão cansada da dor.

Juliana começou a chorar silenciosamente quando um ser de uns 30cm deu um pulo detrás de uma pedra e falou com ela.
- Você está bem, minha criança?
- Quem é você?! Você é um gnomo?
- Não exatamente. Essas mitologias de vocês são meio incertas. Eu sou um elemental, minha pequena. Eu sou uma sílfide, meu nome é Alisê, e minha senhora é Iansã.
- Eu não entendi nada do que você disse, Alisê, exceto pela parte de Iansã... Iansã não é Santa Bárbara, a guerreira?
- Você é muito perspicaz, minha criança. Quem lhe disse isso?
- Minha mãe - Juliana olhou para o lado, magoada.
- E é ela, em grande parte, a razão de você estar chorando, tão sentida, aqui hoje, né, minha filha?
- Como você sabe disso? Aliás, como eu posso saber que você é real?
- Eu sei de muitas coisas. E, sobre saber se eu sou real... é uma pergunta muito pertinente, mas veja: Se eu sou uma criação do seu cérebro, se dentre todas as possibilidades existentes, ele me criou assim, deve de haver uma razão, não?
- Faz sentido, Alisê. Ah, eu tô tão cansada...
- Eu sei, minha pequena. E sei que você ainda vai penar muito pra encontrar seu caminho. Eu queria que não precisasse ser assim, mas eu não posso trilhar seu caminho por você. Só você pode trilhá-lo. O que eu posso, e vou, é andar contigo, junto, ao teu lado, ainda que você não me veja, te protegendo, guiando e amparando, na medida do máximo que eu puder segundo as leis divinas.
- Divinas? Há um Deus, então?
- Sem a menor dúvida. Embora eu saiba que você duvide tanto disso, e talvez ainda duvide por um bom tempo. Mas na hora certa, Ele, ou Ela, ou eles e elas, toda a falange do bem, do amor, da prosperidade, da compaixão, da serenidade, da pureza, da verdade, serão uma verdade inquestionável na sua vida. E adentrarão em sua vida para nunca mais sair.
- Você promete?
- Eu prometo. Eu prometo que dias melhores virão. Eu prometo que sua esperança não é vã e nem será gasta à toa. Eu falo do que sei, minha criança. Creia. Creia e siga. E agora preciso ir.

Alisê desapareceu e Juliana sentiu uma brisa leve e aroma de alecrim. Tudo parecia um sonho, e, de alguma maneira, parecia muito verdadeiro. Juliana seguiu, tropeçando, por muito tempo. Até a hora em que tudo cumpriu a promessa doce feita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário