domingo, 13 de abril de 2014

O relógio de Sandra

Sandra se revirou na cama. Olhou para o relógio: 3:30. Cobriu os olhos com o antebraço. Céus. Havia se deitado à 1 da manhã. E acordada, ainda. Angustiada. Levantou-se para fazer um chá de erva cidreira. Chá de erva cidreira lhe dava o consolo de um lar acolhedor como nunca teve. Sempre exilada demais dentro da própria pele para que pudesse ser ajudada. Pensou em acender um cigarro, mas não havia cigarros. Tinha abandonado o cigarro. Embora gostasse de fumar. Mas em nome da saúde, ela pensou.

Andou até a cozinha e abriu o armário, pegou o pacote de chá, pegou o bule, lavou uma xícara e pôs a água para ferver. E aguardando o ponto de ebulição, perguntou qual seria seu próprio ponto de ebulição. Não de seu corpo físico (Sandra pensou que o google lhe responderia facilmente o ponto de ebulição de um corpo humano). O ponto de ebulição da alma humana. Haveria? Se houvesse, certamente variaria para cada indivíduo.

Pausa.

Sandra debruçou-se sobre a bancada, após colocar a água recém-fervida na xícara, posicionar o sachê de chá dentro e cobrir com um pires. Andou até uma cadeira, sentou, encolheu-se. Tanta. Coisa. Há. Tanto. Tempo. E ainda tão perdida e cheia de dúvidas e de pressa.

A vida possui muitos caminhos tortuosos e talvez o único dia em que possamos afirmar que entendemos onde chegamos seja o de nossa morte. Ou nem isso. Talvez só depois. Um dia - longe.

Mas Sandra tinha pressa e custava a compreender que o tempo - Senhor inexorável, Saturno intransigente, Cronos implacável - andava somente em seu próprio ritmo, e que cabia a cada indivíduo situar seu universo a partir disso. Nem todos alcançavam êxito, ênfase aqui para os arianos, os ansiosos e os apaixonados. Sandra era os três. E ainda precisava compreender esse ritmo que transcorria tão alheio a ela.

Contudo, transcorria. E isso ela não podia negar. Transcorria ora com violência, ora com leveza. Os acontecimentos que amamos frequentemente parecem arrancados de nós cedo demais. Entretanto, poucos sabiam agradecer a medicina do tempo quando ele tratava de deslocar as dores mais agudas do presente para um tempo mais difuso do passado, para um "lá" menos doloroso do que um "aqui".

Sandra pegou o chá. Parecia bastante quente ainda, tentou bebê-lo mesmo assim. Queimou a língua. E frustrou-se com a sua falta de paciência. Quantos chás ainda haveria de beber cedo demais? Bebê-los cedo demais tirava a beleza do momento para ser um incômodo a mais. E chás saborosos, Sandra achava, deveriam ser bebidos com calma e introspecção.

A doçura suave da erva cidreira só podia ser adequadamente saboreada com calma e paciência. Não era um fast food. Não era um café forte de se engolir rápido pra cumprir uma cota de obrigações diárias. Era algo que demandava tempo.

Sandra pegou seu relógio e refletiu. O tempo não era seu inimigo. E ele não era escasso. Ele era exatamente da medida que precisava ser para o que era realmente importante. Administrá-lo era uma arte sutil, todavia, valia muito mais a pena do que se martirizar e queimar a língua com chás que deveriam ser cálidos e reconfortantes.

Sorriu e voltou para sua cama. O tempo curava mais do que matava.

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