terça-feira, 22 de outubro de 2013

o corvo

Era uma vez um corvo. O corvo gostava de pegar coisas brilhantes e levá-las para seu ninho. Joias, pedaços de alumínio. Devia ser um corvo libriano. O corvo era um corvo, não uma pessoa, então ele nunca mensurou o que escolhia por seu valor monetário, e sim pelo quanto brilhava. Um cordão de ouro esquecido no banco de um parque ou um papel prateado de maço de cigarro eram para ele igualmente belos. E a beleza bastava. Não havia necessidade de ser útil, só de brilhar.

Era uma vez uma mulher. Ela se chamava Samantha. Ela era apaixonada por um amigo. Ele sabia, mas não correspondia. Samantha, à sua maneira, catava coisas brilhantes para levar para ele. Fragmentos de textos que ela achava bonitos. Músicas, daquelas suavemente melancólicas. Comidas, situações engraçadas. Seu amigo gostava de quase tudo, e sabia que ela se esforçava. Às vezes ficava constrangido com isso, porém, nunca pediu para ela parar. Sabia que era importante para ela. E sabia que ela se contentava em oferecer a ele o que ela achava digno de ser compartilhado.

Um dia, o corvo engoliu um anel de lata de cerveja. Samantha estava indo para casa e o viu convulsionando no chão. O corvo havia ficado interessado por aquilo, prateado, mas opaco. O corvo nem sabia que aquilo era considerado lixo, resto, e menos ainda que pessoas que também não eram consideradas muita coisa pela maior parte da sociedade catavam aquilo para seu sustento. O lixo de uns era o sustento de outros. O lixo de uns era a beleza no ninho de outros.

Porém, o corvo não teorizou isso tudo. Ele apenas pegou com o bico aquele anel de lata de cerveja. Na mesma hora, um adolescente jogou uma pedra em sua direção. O corvo ficou assustado e engoliu o anel.

Quando Samantha viu o corvo no chão, convulsionando, não soube o que fazer. Tentou pegá-lo nas mãos e pegou um táxi para um veterinário. O corvo já quase não era mais. No calor das mãos de uma moça gentil, o corvo emitiu um som baixo, como de quem descansa, e morreu.

Samantha chorou, e não entendeu porquê. Era só um corvo, ou não. Chegou em casa e o enterrou. À noite, chorou mais um pouco. As pequenas perdas às vezes são metáforas das grandes. O que importava era tudo que brilhava enquanto podia brilhar.


Um comentário:

  1. Seu conto é de uma sensibilidade indescritível. Amei a forma como você traduz a alma dos personagens, do corvo, que pode ser uma representação metafórica de um 'bicho-humanx' - ou não: isso em aberto, dando um ar meio surrealista ao conto. Sou sua fã, Gi!
    Abraços saudosos.

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