terça-feira, 29 de outubro de 2013

Crônica de uma manhã

Luiza acordou e fez seu despertador parar. Espreguiçou-se. Espreguiçou mas continuou com preguiça. Contudo, tinha de levantar. Levantou. Preparou um café tropeiro - sem coar, o que deixa o café mais forte e não suja filtro, uma beleza só.

Preparou um sanduíche e colocou umas músicas para tocar.

Aceitar as coisas como eram sempre havia se constituído como um grande desafio para Luiza. Era inconformada. Isso poderia ser bastante benéfico quando bem direcionado, como por exemplo, contra injustiças sociais, ou para combater a própria inércia frente a algumas coisas. No entanto, voltava-se contra ela quando ela não conseguia aceitar fatos da vida que ela não tinha condição de alterar. Como seu passado. Ou os sentimentos dos outros. Neste caso, ela simplesmente se sentia muito frustrada. E isso podia ser um veneno.

Luiza estava começando a perceber isso, e a consciência de que absolutamente tudo era transitório começou a trazer mais leveza para sua vida. Enquanto tomava o café, quente, preto, mais forte do que fraco, mas adoçado, sorriu, sozinha. As circunstâncias materiais pouco tinham mudado, todavia, já não doía mais. Quando as mágoas, a saudade, a dor, o luto, a melancolia, os pesos, bateram na porta de sua alma naquela manhã e pediram permissão para irem embora, ela concedeu. Acenou adeus sem odiá-los, mas os compreendendo como parte do seu processo de aprendizado, de auto-conhecimento, de descoberta, de sobrevivência. Fizeram parte dela, sim, porém, sua hora já havia se esgotado. Abraçou uma última vez sua mágoa, a mágoa olhou para ela, sorriram, a mágoa pegou sua mala rasgada e remendada de traumas, e foi embora.

Naquele café da manhã, quem fez companhia pra ela foi ela própria. Uma ótima companheira. Não havia necessidade de sofrer mais. Ela não estava incompleta.

Fechou os olhos e saboreou o café. Quente. Combinava com sua alma aquecida pelo amor a humanidade. Sem doer mais. Ela não precisava desapropriar as dores do seu coração, chamar a PM para tirá-las de lá, as dores eram vândalas do bem, estavam ocupando e resistindo porque precisavam. Mas iriam embora quando fosse a hora. A hora havia chegado. Foram.

E a plenitude a preencheu.

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