terça-feira, 9 de julho de 2013

Florianópolis e saudade

Eu me lembrava de Florianópolis sempre como uma cidade fria e nublada. Voltei recentemente e vi que não era meu cérebro falseando coisas: realmente, faz muito frio e céu cinzento.

E agora não é ela quem me faz mingau de aveia; sou eu mesma. Com leite de soja.

Suspiro.

Hoje consigo aceitar que minha mãe se foi. Não é uma constatação fácil. Dói, muito.

Mas aceitei. Aceitei a morte como uma verdade esmagadora, inexorável e material.

E essa casa em que cresci não tem mais nossos livros. E tem pessoas mas não tem seu sorriso. E não tem nossos desenhos. E não tem nossa sintonia.

Nessas horas é difícil ser agnóstica, porque eu não sinto a presença dela. Há um mês, eu visitei seu túmulo. Foi a primeira vez que fui só. Eu estava péssima. Tinha vendido cupcakes na UnB, estava tentando ser produtiva, essas coisas. E simplesmente desabei. Eu achei que decidir que eu queria ficar bem seria um primeiro passo decisivo rumo a isso. Não que isso fosse uma panacéia - panacéias não existem -, mas um começo. "Os começos são sempre humildes."

E naquele dia desabei, depois de ter vendido quase todos os cupcakes. Comprei um chá. Procurei um lugar isolado no Minhocão. Comecei a chorar e escrever.

"Se viver é isso, eu passo."

Fui então ao cemitério. Sabia aproximadamente o local do túmulo, embora não soubesse o código. Procurei, achei. Deitei no túmulo. No chão, com a cabeça na lápide. E chorei. Muito.

Lembro-me de ter olhado pro céu e dito "Deus, se você existe, me ajude, porque eu não aguento mais."
Lembro-me também de ter, ali, deitada no chão, pensado que eu só tinha ido até lá por puro misticismo ocidental. Não me senti, ali sobre o túmulo, nem um pouco mais próxima da minha mãe. Eu estava meramente sobre os restos mortais dela. A matéria. O corpo em decomposição da mulher que foi minha mãe por 54 anos. Mas o espírito?

Acho que não há nenhum espírito, no final.

"Nuestra auto-identidad está profundamente tejida con la piel y la sangre de los otros, y es por eso que, cuando alguien próximo muere (sea o no por suicidio), se lleva una parte de “nosotros mismos”. Así, cuando alguien se suicida, nunca se mata tan sólo a “sí mismo”,o, mejor dicho, mata precisamente a ese “sí mismo” en donde ya está, desde siempre, el otro." ("Nossa auto-identidade está profundamente tecida com a pele e o sangue dos outros, e é por isso que, quando alguém próximo morre (seja ou não por suicídio), leva uma parte de "nós mesmos." Assim, quando alguém se suicida, nunca se mata tão somente "a si mesmo", ou, melhor dizendo, mata precisamente a esse "si mesmo" onde já está, desde sempre, o outro.")

Eu acho esse fragmento belíssimo e muito real.

Ela se suicidou. Ela matou a si. E me matou um pouco junto, disso não tenho nenhuma dúvida.

E, simultaneamente, se algo dela sobreviveu, isso também vive em mim.

Enquanto eu viver, e eu não faço idéia do quanto isso será.

E assim como quando eu morrer, não morrerão as partes minhas que já estão em outrxs.

Espero que essas partes não doam tanto em vocês quanto doem em mim.


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