(18.08.2018)
a vida é cheia de mistérios
uns lindos, outros trágicos
belezas sutis
enquanto eu conseguir,
que minha existência
que minha persistência
em estar aqui
seja também um tributo
a quem não conseguiu seguir
pois sei quanto dói
e sei quanto custa
este para alguns tão mero fato
de estar aqui
eu choro meus mortos
e os honro também
há gratidão pelo que foram e são
e não há julgamento por suas decisões
meu lamento é acompanhado de compreensão
suicidas são egoístas?
o que somos nós então quando queremos
ao nosso lado
pessoas dilaceradas
que não conseguem mais seguir?
temos o direito de querer, de pedir
que alguém passe décadas de dor viva
para nós não vivermos um luto?
eu sei que não tenho esse direito
e com essa consciência, eu deixo ir
quero quem amo vivo para que possa
se possível
ser feliz
não quero que ninguém viva por mim
o amor que tiveram por mim
me manteve viva também
vezes demais foi apenas pensar nos outros
que me impediu de dar o passo final
the final cut
hoje todavia sigo por mim
é a mim que devo a chance
desta nova vida
em que seguir é possível
e bom
eu amo, honro e abençoo
meus mortos e minhas mortes
honro os ecos feridos de meus ancestrais
porém meu pacto atual
é com a vida
novamente, todo dia
eu escolho viver.
*o título do poema foi retirado da música Ancestors, the ancients, de Chelsea Wolfe
domingo, 2 de setembro de 2018
sábado, 9 de junho de 2018
sobrevivência
o capitalismo existe, infelizmente
e já que existe tangível
e cobra sua materialidade
às custas de nossa carne
a resistência passa pelo corpo
descosturemos nossos lábios
e bocas silenciadas
encher o pulmão de ar para clarear as ideias
e também para gritar
costurar laços de solidariedade
real
uma jovem mulher suicidou-se
e as aulas no prédio fatídico
foram mantidas no dia seguinte
a única resposta aceitável para isso
seria a via da ação direta
incendiar a reitoria
mas eu tenho, nós temos
medo
a miríade de acúmulos de catástrofes
que, por vezes, chamamos de capitalismo neoliberal
pode ser quantificada com uma série de números
há porém diversas tragédias anônimas
toda prisão é política
e, ao meu ver, todo suicídio também
não estamos no vácuo
o social nos perpassa
e frequentemente nos mata
no plano simbólico
ou um corpo no chão
Elly, presente
Maria Beatriz, presente
Gabriel Mosna, presente
Ariadne, presente
e também eu estou presente
a despeito das feridas
sigo e permaneço viva e combativa
pois o ódio que sinto pelo sistema
e aos que dele se beneficiam
sem sentirem nenhum pesar
este meu ódio é a expressão política do meu amor
pelas pessoas, pela natureza, por mim mesma
no solo árido de um capitalismo assassino, capataz,
cruel, algoz
existem sementes de revolta
não joguemos agrotóxicos
não precisamos do glifosato
ou benzoato de emamectina
adubemos nosaas sementes de ódio, revolta e revolução
com o amor contra-hegemônico
de quem sabe que outro mundo é possível
um mundo verdadeiramente humano
em que caibam muitos outros mundos
que cada lágrima de quem luta
irrigue este solo
e que a esperança brote e floresça
em nós que ainda estamos
por aqui
eu quero menos suicídios
e mais molotovs.
e já que existe tangível
e cobra sua materialidade
às custas de nossa carne
a resistência passa pelo corpo
descosturemos nossos lábios
e bocas silenciadas
encher o pulmão de ar para clarear as ideias
e também para gritar
costurar laços de solidariedade
real
uma jovem mulher suicidou-se
e as aulas no prédio fatídico
foram mantidas no dia seguinte
a única resposta aceitável para isso
seria a via da ação direta
incendiar a reitoria
mas eu tenho, nós temos
medo
a miríade de acúmulos de catástrofes
que, por vezes, chamamos de capitalismo neoliberal
pode ser quantificada com uma série de números
há porém diversas tragédias anônimas
toda prisão é política
e, ao meu ver, todo suicídio também
não estamos no vácuo
o social nos perpassa
e frequentemente nos mata
no plano simbólico
ou um corpo no chão
Elly, presente
Maria Beatriz, presente
Gabriel Mosna, presente
Ariadne, presente
e também eu estou presente
a despeito das feridas
sigo e permaneço viva e combativa
pois o ódio que sinto pelo sistema
e aos que dele se beneficiam
sem sentirem nenhum pesar
este meu ódio é a expressão política do meu amor
pelas pessoas, pela natureza, por mim mesma
no solo árido de um capitalismo assassino, capataz,
cruel, algoz
existem sementes de revolta
não joguemos agrotóxicos
não precisamos do glifosato
ou benzoato de emamectina
adubemos nosaas sementes de ódio, revolta e revolução
com o amor contra-hegemônico
de quem sabe que outro mundo é possível
um mundo verdadeiramente humano
em que caibam muitos outros mundos
que cada lágrima de quem luta
irrigue este solo
e que a esperança brote e floresça
em nós que ainda estamos
por aqui
eu quero menos suicídios
e mais molotovs.
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
herança
28.01.2018
eu não herdei os
cabelos de minha mãe
eles eram cacheados
e escuros
os meus são
levemente ondulados
e loiro escuro, ou
castanho claro
eu não herdei os
olhos de minha mãe
nem o nariz
nem os dentes
nem o queixo
nem as mãos
nem o formato dos
pés
mas consigo perceber
que os meus
tais como os dela
são secos
quando brigávamos,
sempre ouvi
"quando foges
de mim, eu sou teus pés"
queria ela dizer que
ao negá-la
ela ainda estaria em
mim
e está, de fato
na secura da sola
dos meus pés
que caminham para
frente
sem ela
meus pés mais
estreitos que os dela
que exibem a origem
goiana do pé rachado
secos também meus
olhos
após tantas
lágrimas
tenho as
panturrilhas dela
as escápulas
saltadas
de meu pai
dizia minha mãe que
eu andava
igual a ele
se verdade,
surpreende
pois em 18 anos, eu
o vi umas três vezes
eu tenho dificuldade
de olhar no meu corpo
minhas origens
tenho dificuldade de
ver
o corpo da minha mãe
no meu
e machuca
e tenho dificuldade
de saber
sequer como é o
corpo de meu pai
e irrita
saber quão fácil é
a paternidade
posto que tantas
vezes não existe
eu não sei como é
ter pai
mas sei que às
vezes isso é ainda melhor que ter
e minha mãe, mesmo
viva,
foi uma das maiores
dores da minha vida
lua em câncer
conjunta a marte
eu sou muito amada e
sei
por pessoas que não
compartilham meu sangue
e valorizo a cada
uma delas
porém, ao final do
dia
ao cair de algumas
noites
sinto falta de que houvesse uma forma
de doer menos
sinto falta de que houvesse uma forma
de doer menos
não ter pais
e acima de tudo, ter
perdido mamãe
aquela pergunta de
qual refeição escolheria
para ser minha
última
seria pipoca
e é pura e
simplesmente porque me lembra
a época em que eu e
minha mãe passávamos as tardes
lendo e comendo
pipoca
e tomando chá mate
eu fui uma criança
muito amada
e muito destroçada
e sou uma jovem
adulta muito amada
com muitos destroços
para cuidar, e cuido
eu quero mesmo ser
feliz
mas para isso
preciso acolher
todas as metades que
me foram tiradas.
domingo, 28 de janeiro de 2018
o amor não pode ser outra coisa que não livre*
para L.H.
"acompanhe
o pássaro
mas
não atrapalhe o voo
não
tente olhar com as mãos
ficar
perto requer outros dons"**
olhar
para uma flor
e
desejá-la
e
mesmo amá-la
e
não podar
apaixonar-se
pelas asas de alguém
e
prometer a si jamais cortar***
aprender
a amar sem podar
sem
pudor e sem poder também
aprender
a cultivar com água
mas
nas emoções benditas que fluem
não
afogar o cacto por excesso de zelo
não
deixar o solo seco
não
fomos criadas, nós
pessoas,
nós mulher
para
amar com liberdade
a
liberdade de uma mulher afronta
um
homem a ponto de ser fator de risco
e
para nós,
o
amor é cooptado para transformar devoção
em
servidão
transformar
cuidado
em
martírio
e
auto-anulação
reiventar
os amores
como
não fomos ensinadas a fazer
como
eu não fui ensinada a fazer
ninguém
nunca me disse que eu poderia amar uma mulher
ninguém
nunca me disse que eu poderia amar mais de uma pessoa
eu
fui desobedecendo como pude
eu
amo como uma mulher
eu
frequentemente amo muito mais
do
que amo a mim
e
isso adoece, e eu renuncio
e
respiro pra deixar sair
e
permanecer em mim e nela
apenas o que nutre a terra
apenas o que nutre a terra
em
vez de secá-la.
*paráfrase da frase
da anarca-feminista Emma Goldman: "Amor livre? Como se o amor
pudesse ser outra coisa que não livre!"
**música Letuce -
Binóculos
***paráfrase de
Carlos Miguel Cortés, "Y
una cosa puedo jurar, yo que me enamore de tus alas, jamás te las
voy a querer cortar”
do amor e suas metáforas ii
e como flor abrir-se
dar vazão as caliandras do sertão
ser buriti enraizada n'água
pois perto dela, tudo é feliz
tecer o fino fio da teia da vida
e preenchê-lo de cor
roxo de Nanã
ouro de Oxum
ao lançar-se como seta
ao tensionar o arco
não temer o desconhecido
ter fé no arqueiro caboclo
oke arô meu pai
amar como bênção d'água
água de estrelas rosas
amar como água profunda e tácita
saciando a sede e lavando marcas
amar como o etéreo ar
inspirando o que desejo
e expirando para expurgar
e viver aos braços do mar
pois ele não pertence a ninguém
e tampouco pertenço eu
ao ser minha única dona
posso amar melhor e maior
desejo mas não dependo
cuido mas não tutelo
apóio mas não avanço
além das linhas estabelecidas
pelo outro lado do laço
reconheço meu lugar
no mundo e transito entre amores
mergulho sem perder-me de mim
afinal das contas
eu tinha mesmo que estar aqui
graças a Deus não morri.
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
ouroboros
"só se pode encher um vaso até a borda
- nem uma gota a mais" (tao te king)
o peso indecente da vida
quem sustenta?
e quem leva?
e crescer é buscar formas de sublimar
o inefável e o quebrado
esse som que o vento faz
nas frestas dessa casa, você
o ouve?
você ouve alguma coisa?
você já ouviu uma mulher?
equilibrar a matéria
dois de copas: para caminhar em comunhão
são necessários dois
nem que seja você própria e si mesma
o nove é o eremita
virgem
mutável de terra mercurial
minhas raízes são aéreas
e minhas lunações são água salgada
de mar
e sangue
eremita não sou
sou d'Oxum
rainha coroada de mim mesma
sou filha das águas e filha do amor
e ouro maior não há.
segunda-feira, 22 de maio de 2017
artemísia
07.05.17
para Carol Knihs
eu não quero o rentável
mercadológico
lucrativo
neoliberal
eu quero o que é humano
cíclico
natural
que fenece e renasce
refloresce
eu quero o que é das mulheres
que sangram sem violência
renovam
criam
plantam
amam
eu não quero a sexualidade
do capital
do patriarca
do poder vertical
eu não quero a erótica da submissão
a estética da auto-anulação
eu quero a sexualidade da liberdade
e "escolher entre diferentes tipos de inferno
não é liberdade"
eu quero a maestria do meu corpo
do meu gozo
eu quero o pulsar da autonomia
autogestionária
eu quero o prazer da comunhão cúmplice
de relações horizontais
se "a heteronormatividade
é um poder paralelo"
eu quero para mim o poder
o poder simples que me foi exilado
de pertencer a mim
eu quero o poder de resistir
sem ter de
sem sequer tentar
me adequar
eu quero a biodiversidade selvática
da flor que irrompe a dureza
do asfalto
da raiz que racha a calçada
da raizeira de pele enrugada
que colhe a cura nas mãos
que revolvem a terra
eu quero transbordar da margem
na qual tentaram me afogar
eu quero a transcendência das mulherem
que riem
que teimam em saber rir
gargalhar do ventre até o céu
apesar de tanto termos a chorar
ainda rimos
pois nos sabemos nossas
e não sós
jamais sós.
para Carol Knihs
eu não quero o rentável
mercadológico
lucrativo
neoliberal
eu quero o que é humano
cíclico
natural
que fenece e renasce
refloresce
eu quero o que é das mulheres
que sangram sem violência
renovam
criam
plantam
amam
eu não quero a sexualidade
do capital
do patriarca
do poder vertical
eu não quero a erótica da submissão
a estética da auto-anulação
eu quero a sexualidade da liberdade
e "escolher entre diferentes tipos de inferno
não é liberdade"
eu quero a maestria do meu corpo
do meu gozo
eu quero o pulsar da autonomia
autogestionária
eu quero o prazer da comunhão cúmplice
de relações horizontais
se "a heteronormatividade
é um poder paralelo"
eu quero para mim o poder
o poder simples que me foi exilado
de pertencer a mim
eu quero o poder de resistir
sem ter de
sem sequer tentar
me adequar
eu quero a biodiversidade selvática
da flor que irrompe a dureza
do asfalto
da raiz que racha a calçada
da raizeira de pele enrugada
que colhe a cura nas mãos
que revolvem a terra
eu quero transbordar da margem
na qual tentaram me afogar
eu quero a transcendência das mulherem
que riem
que teimam em saber rir
gargalhar do ventre até o céu
apesar de tanto termos a chorar
ainda rimos
pois nos sabemos nossas
e não sós
jamais sós.
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