domingo, 13 de março de 2016

delicadeza

mãos bonitas e macias
quentes
nas minhas
no meu rosto
no meu corpo

cabelos escuros e olhos idem
sorriso travesso
descansar com o rosto no meu peito
em silêncio

braços passados
pernas enlaçadas
alguma coisa profundamente familiar
entre o cuidado e delicadeza
entre a suavidade e respeito
entre as vozes sempre baixas
entre o cálido e tácito

a beleza etérea
de um anjo caído
das trevas do ser
no caminhar árduo
e o fardo e o fado
de viver

urutau da noite escura da alma
voe para onde quiser
o voo é seu
para a direção que escolher
se escolher a minha
farei bom uso
se escolher ser só
tea
ainda assim
tea
te amo
te apóio
te ajudo
e te seguro
quando o mar da vida balançar demais.

quinta-feira, 10 de março de 2016

passarinho preto

hoje minha professora disse
que as pessoas são fenômenos naturais
porque pessoas acontecem

pessoas realmente acontecem
algumas são fenômenos extasiantes
outras são desastres
outras só passam

neste maremoto que foram algumas passagens
ele foi uma chuva suave
não destruiu nenhuma janela
nutriu minhas flores internas
e agora começa a seca
mas em alguns meses passará
obrigada por irrigar meu solo cansado
de emoções gastas
meu solo rachado
está um pouco mais úmido
as sementes de vida
talvez consigam sobrepujar as ervas daninhas

obrigada, passarinho preto
urutau da noite escura de minh'alma
que dura há mais de 12 anos
a noite escura da alma que alguns xamanismos explicam como depressão
eu quis voar para dentro do seu coração
e, embora a chuva suave não tenha destruído nenhuma janela
a janela de dentro dele estava fechada

se os olhos são a janela da alma
sou grata a todos os vislumbres da sua
e se chegar seu dia de abrir portas e janelas
que entrem com cuidado
adentrem com cuidado
que o amor seja delicadeza e cuidado
por tão bem cuidar da minha
eu agradeço e recebo
sua estadia até a despedida
passarinho preto
urutau amado
estrela da noite escura de minh'alma.

prole

que o legado de minha humanidade
minha prole, minha herança
não seja minha depressão

se meu ventre um dia carregar uma cria
que ela não seja depressiva
porque transmitir esse inferno
essa desgraça martelando dentro da minha cabeça
essa tristeza, essa exaustão
quando nada basta e tudo pesa
quando respirar é um dom que eu queria devolver
eu não poderia suportar
gerar a vida para vê-la sofrer
filha minha, filho meu
se for para herdar essa dor
é melhor não nascer
se for para um dia desejar morrer.

(09.03.16)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

metades

há muitos meses atrás
numa tarde ensolarada
açaí, pós-fim
"você foi uma parte muito difícil da minha vida
mas você foi uma parte que tinha de ter acontecido"
*
nunca nunca mais vai ser igual e a gente sabe
e cada um de nós com nossas metades
partidas
esperamos curar-nos
de lados separados
que bom que foi assim
durou e existiu
mas findou
como tudo
*
todos os amores são insubstituíveis
hoje não busco substituir nenhum
viver já é custoso por demais
o amor desvanece na sua hora sagrada
assim como o amor escolhe nos acompanhar
cabe a ele nos deixar
um amor meu coração já deixou
cedo ou tarde
aprenderei a deixar este também
como fui deixada para trás
e deixemo-nos ser
sós
seja feita a vontade do outro lado. 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

unilateralidade

eu abraço tão forte
e me seguro
esquecendo que amar
não transpõe os abismos
que a vida impõe
nem os impostos
pelo outro lado
do laço.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

but you're so young

o menino bonito
dos olhos cansados
da voz baixa
das roupas pretas
desgastadas
melancólico
passos lentos
sorriso lindo
costas largas
caderno rosa

o menino doce
profundamente misantropo
assustado
fragilizado
adorável
que gostava de crust
e um pouco de mim

o menino alto
reservado
perspicaz
amargurado
ansioso
depressivo
amado

o menino lindo
que pegou meu tambor
e colocou sobre a mesa
e tentou me ensinar um pouco
antes da prova
e eu mal escutava
aflita demais
meses antes de o menino
tão jovem
e tão tímido
se tornar o menino
que meu coração escolheu

o menino que amei
e que ainda amo
na calada da noite
baixinho o bastante para que ele possa escutar
se assim quiser
se quiser a mim

o menino sincero
que só queria um pouco de paz
e eu quis ser a paz dele
e ele quis seguir
sem mim

o menino que é bem vindo
dentro do meu coração
e a quem espero que a vida cure
mais do que já feriu

o menino livre
a quem eu quero bem
que eu quero que seja feliz
a despeito dos caminhos que decidir

mas se ele escolher estar nos meus braços
para cuidar e ser cuidado
para compartilhar o árduo fado de viver
se assim ele quiser
eu estarei aqui
enquanto couber
na verdade dos tempos
na ressonância de coexistirmos
próximos assim
com sua  presença única e doce
junto a mim.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

all we ever wanted was everything

l'amour c'est une patifarie

Eu lembro de seus olhos, e eu lembro do seu calor, e eu lembro dos seus braços, e eu lembro das suas lágrimas. E eu lembro da sua voz monocórdia, dos seus olhos tão cansados e tão doces, e de como você às vezes fechava os olhos enquanto ria. E eu lembro de você no meu colo, e eu lembro de eu no seu. E eu lembro daquela vez em que você literalmente dormiu nos meus braços, com a cabeça no meu peito, na cama, e de como eu tive dor nas costas depois, e do quanto valeu a pena. Eu lembro de todos os "eu te amo" que nunca me foram respondidos, exceto por gestos de delicadeza condescendente. Como me puxar mais pra perto. Mas jamais dizer "eu também". Eu lembro da sua inocência, da sua leveza pesada e ambígua, dos seus silêncios e de como seu carinho era bom. De como era acolhedor acordar no meio da noite, angustiada, e poder passar o braço ao seu redor. E você não movia um músculo no sono tão pesado. Eu lembro de como a roda do dharmma girou, e eu acordava antes de ti pra te levar chocolate quente, como tanto já fizeram por mim. Para que seu acordar doesse menos. Para que você se sentisse amado. Para que se sentisse profundamente amado, assim queria eu. E assim se sentindo, pudesse se permitir talvez sentir o mesmo por mim. E pudéssemos seguir na apoia mútua dos bichinhos, um cuidando do outro neste mundo hostil. E eu lembro do quanto eu gostava de te ver tocar violão, do quanto eu gostava de fazer nada do teu lado. E eu lembro de dormir nos seus braços ouvindo Sacrilege dia 20 de novembro, um dia tão difícil para mim, por ser anterior ao 21. E eu lembro de tudo que eu te dei e de tudo que você deu para mim. Só pudemos dar o que tínhamos. Mas o que eu tinha foi seu. Resta-me agora deixar a medicina que é o tempo passar para desanuviar as mágoas da unilateralidade do fim. O fim sempre chega. E frequentemente parece ter chegado cedo demais. No tempo que nos coube eu fui feliz. Uma pessoa tão triste me fez feliz. Tenho esperança de que tenha sido mútuo. Dentro do possível.


"Can you take me to your heaven, I'm ready
I know the weight of my heart is too heavy
I will love you with all of the love that I have
Even if that means there's none left for me

I'll carry your cross now, baby
It's a blasphemous world today
(...)
I'll bury your pain now, baby
Are you happier now, happier now?"
Cold Cave - Underworld USA