sexta-feira, 17 de abril de 2015

trigger warning

eu quero trabalhar com coisas que
certamente me desencadearão
coisas fortes e traumáticas


eu quero trabalhar com psicologia
e com luta antimanicomial e sei
que o suicídio vai entrar no meio e sei
que talvez um dia eu lide com um paciente que
quer suicidar ou que
perdeu alguém
nessa batalha

e talvez fosse tão mais fácil
ir estudar algo
que perpassasse
menos fundo minha história
e no entanto
é no cuidar dos outros
que vejo a chance de redenção
de curar a mim
é em ser um dia
uma psicóloga
que já foi internada em ala psiquiátrica
que já quis pular de 13º andar de quarto de hotel
que ficou órfã de mãe suicida aos 17
que cresceu sem pai e que
teve uma infância prejudicada pelo alcoolismo do padrasto
eu nunca diria pra ninguém
ninguém mesmo
"sua dor é injustificada
sua dor é desproporcional
sua dor é culpa sua"


eu ia só querer acolher
me colocar horizontalmente na altura dos olhos da pessoa
e dizer
"você vai ficar bem um dia
e não precisarás lutar sozinho até que
esse dia chegue"


eu quero ser um dia
como profissional e amiga
e ser humano
o que as pessoas tem sido pra mim
nesses últimos 3 anos terríveis
e eu quero ser a pessoa que diz
"você é especial para o mundo"
e não
"você é doente."

quinta-feira, 16 de abril de 2015

monogamia II

sempre haverá por aí
gente legal
mas isso é pouco;
muito pouco

sempre haverá por aí
gente que saiba conversar
gente que pareça te entender
a primeira vista
no início
na superfície

sempre haverá por aí
gente simpática
engraçada
inteligente
bonita
mas novamente
isso é pouco;
muito pouco

sempre haverá
quem goste das mesmas bandas que eu
ou alguns filmes e alguns livros
há gente até mesmo
que se diz espírita
a despeito do quanto se permita
ceder a impulsos baixos

sempre haverá gente que parece legal
gente que até mesmo seja legal
mas isso tudo é pouco;
muito pouco

eu quero quem me ame
ciente da minha história
eu quero alguém que busque
a Verdade tanto quanto tenho buscado
apesar dos percalços
eu quero, na verdade
só uma pessoa
aquele que foi embora
e mais uma vez eu fiquei
esperando voltar
talvez em vão
mas seria loucura
aceitar menos
do que isso
do que ele
do que esse amor.

terça-feira, 31 de março de 2015

7:30

são 7:30 da manhã e eu
já chorei muito
no ônibus
e as pessoas me olhavam
e era chato
mas eu tenho o direito
de
chorar

culpe minha lua em câncer
contudo é humano
não aguentar
às vezes

tudo vai muito bem
tudo tem melhorado
tudo está se ajeitando
menos a coisa que eu mais queria
tenho vênus em libra
mas acho que utilizo melhor
minha energia
investindo em coisas
que dependam apenas
da minha habilidade
boa vontade
esforço

para o que escolhe o outro lado
eu só posso chorar
até ser possível
seguir
novamente

sábado, 24 de janeiro de 2015

trem

eu tomei um trem para uma viagem
dentro de alguém
e o trem sacolejava e eu persistia
e meu estômago embrulhava e eu persistia

o trem era escuro
e denso

eu tomei o trem e andei
e andei
querendo ir além
querendo encontrar
querendo conhecer
querendo merecer

e 'as vezes apesar do trem ser a viagem
na qual persisto
me pergunto se há destino final
ou se viajarei de estômago embrulhado
para sempre.

domingo, 28 de dezembro de 2014

"That’s what really scares me.
Falling in love is easy. Having sex is easier. But bumping into someone that can spark your soul - that shit is rare.
You could fuck four, five, all the people in a god damned room and you’d only feel a connection with one. Or none at all.
And what sucks is despite the undeniable real magnetic pull between the two of you, more often than not, you don’t end up together.
I’m afraid I won’t meet anyone else I can connect with.
I’m scared it’ll be just you.”
—Connection, Sade Andria Zabala

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Meninas

Para Yasmin Souza

Eu gosto de crianças, embora não conviva muito com elas. Gosto especialmente de meninas. Acho que elas são menos escutadas. Acho que elas ouvem muito sobre serem lindas, comportadas e doces, e ouvem pouco sobre serem elas mesmas. Sobre ser permitido a elas vicejar.

Gosto das meninas e busco ouvi-las porque fui eu própria uma menina com muito a dizer e execrada por ser muito inteligente. Hoje penso na minha insegurança com a minha própria aparência e no quanto eu ouvia que era feia e não consigo dissociar disso do desconforto que minha inteligência causava nos meninos da minha escola. Olhando minhas fotos, eu não acho que eu era uma criança feia. Acho que eu era bonita. Receio pensar a mesma coisa aos 22 olhando minhas fotos atuais, aos 20. E acho, também, que eu era uma criança e que eu não deveria ter aprendido desde cedo a vincular  minha aparência ao valor que me seria dado em sociedade.

Essa era eu com 10 anos, aliás

Voltando a digressão. Não é fácil ser uma menina. Se é difícil ser mulher, ser menina pode ser muito complicado também, porque as crianças são pouco levadas a sério. E eis que você é uma criança do gênero socialmente inferiorizado.

Eu fui uma menina muito melancólica. Muito só. Os livros foram meu consolo. Aprendi a ler muito nova, com 4 anos, acho, sozinha. Era Jardim alguma coisa e a professora nos disse o som de cada letra e como cada letra era. Um dia, andando com a minha mãe no nosso bairro, li na frente de uma casa de câmbio. "Alugo mobilete". Minha mãe dizia que eu li isso sem hesitar, sem gaguejar. Ela começou a rir muito alto - eu fiquei meio assustada. Enfim. Eu lia muito quando era criança. De Pedro Bandeira a mitologia grega. Com 10 anos li Revolução dos Bichos e apaixonei. Li também dois livrinhos do Voltaire e adorei.

Se hoje eu, com 20 anos, ainda me sinto só, frágil e deslocada, às vezes, ser uma menina era muito pior.

Uma vez eu conheci uma menina de 8 anos que ajudava a cuidar dos irmãozinhos e tentava lidar com a saudade do pai, que desencarnou (faleceu) quando ela tinha 3. Ela era canceriana. Eu convidei ela pra sentar no meu colo e conversamos. Eu disse que era ótimo que ela fosse tão forte, mas que ela não podia se esquecer de que era uma criança, e que segurar mais do que ela conseguia, um dia poderia fazer ela não aguentar mais. E eu disse que isso aconteceu comigo, e que eu não queria que acontecesse com ela. Ela disse "obrigada, tia".

Se um dia eu tiver uma filha, tudo que gostaria era de poder fortalecê-la na infância mais do que foi possível que me fortalecessem. Porque esse tipo de herança é sagrada. Sei, contudo, que minha mãe lidou o melhor que podia.

Nesse dia das crianças, que todas as meninas um dia possam ser livres de um sistema misógino que mina a potência mulheres que elas merecem se tornar.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

buscando

eu quero ser artista
escritora
poeta
cantora
curadora

e não um ser triste
empacado

eu quero caminhar
e seguir
e rir
gargalhar

eu quero fascinar-me
com o mundo
e não sentir falta
de quem não está aqui
e nunca esteve

eu quero o colo
e o amparo
que não ouso pedir
no receio de não receber

eu sigo
buscando
o dia
em que aprenderei
a lidar
sem me paralisar.