domingo, 4 de julho de 2021
ctônica
domingo, 13 de junho de 2021
Adstringens
O amor comeu minha autoestima. O amor comeu minha alegria. O amor comeu minha coragem - que vem de cor, coração. O amor comeu minhas virtudes. O amor comeu meu dom de amar.
O amor (e o luto, que é outro de seus nomes) comeu meus cabelos. O amor comeu meu lar. O amor comeu minha resiliência.
O amor comeu minha capacidade de confiar. O amor comeu minha entrega. O amor comeu minha generosidade, e a tornou fonte de vergonha, posto que símbolo de minha generosa estupidez.
O amor comeu as cartas que enviei ao longo de 6 anos com respostas mais do que tardias e escassas. O amor comeu meu desejo de amar. O amor comeu meu sonho de ter uma família.
O amor comeu minha fé neste estandarte ensanguentado que é a devoção unilateral. O amor me lembrou que eu não sou Jesus Cristo e abnegação sem limites é a estrada para o inferno da autodestruição. O amor esfregou sal em feridas de 20 anos atrás. O amor descosturou retalhos de minh'alma que alinhavei com supremo esmero, desfeitos num rasgo acompanhado de riso de escárnio.
"It's so easy to laugh
It's so easy to hate
It takes strength to be gentle and kind."
O amor comeu muito de mim, todavia, a última frase está gravada indelevelmente em meu antebraço. Não posso apagá-la, não posso esquecê-la. Não quero me tornar um resto de pessoa afundada em traumas a ponto de minhas arestas rasgarem as mãos de quem quiser fazer um afago. Como rasgaram as minhas. Como rasgaram as minhas.
E sangram.
O tanino do barbatimão é um cicatrizante excepcional. Quando usado de forma equivocada, no entanto, pode fechar feridas que deveriam ficar abertas e gerar uma infecção.
Não quero costurar mais nada antes da hora.
Se meu coração tornou-se hemorrágico, que o sangue me lave e uma ablução futura traga sentido às feridas.
Recuperação de áreas degradadas é uma arte. Em nome disso estudo. Em nome disso espero. Em nome disso aguardo. Em nome disso morro.
Para que um dia eu possa voltar a viver em plenitude e abundância. Para que o afeto alheio não seja
punhal aos meus olhos
e o meu afeto não seja
punhal para minha carne.
terça-feira, 20 de abril de 2021
vermelho-romã
você parou de comer porque o amava
em certa medida, eu também
para ser mais amada
ou para desaparecer
o amor no patriarcado
soa como tragédia
dolorida
ainda que mil vezes encenada
e nós amamos as gregas
e Perséfone, e Psique
e as ninfas, e os átridas
amar mulheres
ainda é ser apátrida
nesta terra que não nos cabe
jogo minhas tranças a ti
pois me permitiu não jogá-las
quando eu não quisesse
amor floresce
na quietude das madrugadas
este solo que é nosso
é nosso não porque a desejo somente para mim
é nosso porque neste habitar
neste espaço-tempo afetivo, cálido lugar
o que construímos é inimitável
bordado com a delicadeza
de mãos femininas
que escrevem poesia
e artigos
e odeiam hospícios
e conspiram
juntas
cuidarei de meus traumas
lavarei minhas marcas
para que o que saia de sua boca
eu sempre admire
e jamais silencie
que você possa falar e calar
gritar e chorar e inclusive me deixar
a porta sempre está aberta
jamais será um cárcere
jamais pedirei mais
do que o que pode oferecer
dentro dos seus limites
o possível é um caminho que vale a pena desbravar
nesta jornada permeada
pelo incognoscível
venusianas nos olhamos
talvez um dia a poucos centímetros
dos quais cada milímetro de poesia
e conexão
adoçou meus dias
e ajudou a desejar
que outros virão.
terça-feira, 13 de abril de 2021
átropos
exorcizar as saudades
costurar retalhos
alguns continuarão desfiados
alguns carregarei rasgados
romper a trama
desfazer o tecido
acolher os fragmentos
e remar com eles
Estige acima
moeda debaixo da língua
entregar a Caronte
e pedir para voltar
para a terceira margem do rio
entre mistério e insondável
meu amado corpo etéreo, por favor
seja um corpo vivo
não um corpo coberto por lençol
o poder que não tenho frente a isso
é a angústia que consome meus dias
talvez perguntar a Caronte
se a terceira margem do rio
é, afinal, um bom destino
no conto de Guimarães Rosa
um filho propõe assumir na canoa
o lugar do pai lunático
quando digo lunático, não digo insano
digo com a mente tocada pela lua
e para sempre marcada
e talvez eu já tenha assumido
em demasia
papéis que não eram meus
papéis que não eram cabíveis
mas para os quais a vida me empurrou
sinto-me drenada
cuidei de muita gente
poucas cuidaram de mim
e agora não quero cuidar de ninguém
nem de quem merece
não quero me doar
não quero perdoar
não quero compreender
não quero acolher
não quero ser prestativa
compassiva
útil
servil
"and I'll walk away in spite of you"
rio acima, rio abaixo
rio adentro, margens transpostas
se meu coração fosse um rio
existiram muitas Vales no caminho
e em meio a tanta lama
a flor de lótus eventualmente
cansa-se de desabrochar
mediante tanto sofrimento
e florescer demanda energia
que uma planta esgotada
não tem
a única planta que posso ser agora
é uma cria do cerrado
raízes 3 vezes maiores que a superfície
3 vezes maiores do que o que se vê
na busca de águas profundas
que talvez não estejam contaminadas
intoxicadas de mágoa
contudo, a inteligência botânica
que permite às raízes cerratenses
encontrar águas subterrâneas
é para stress hídrico condizente
com o mundo natural
o cerrado não está preparado para incêndios
criminosos
o fogo é bom para a canela de ema
a lama, para as árvores do mangue
no lugar errado
tudo pode arruinar
para onde Caronte
o destino
vai levar a canoa
não sei
o que sei é que a única canoa que me pertence
é a minha
o único caminho que me pertence
é o meu
entre reinos, remos e ofã
quero a paz que desejei a outros
para mim.
sábado, 26 de dezembro de 2020
yingwaz
resilientes as marés
terça-feira, 15 de dezembro de 2020
acerto de contas
um é o valor
segunda-feira, 2 de novembro de 2020
bipoca
não varro há dias
vivi, tenho vivido
dias sombrios
como pipoca com frequência
me lembra minha mãe
cada grão de milho preenche
humilde
outro buraco de ausência
é o calor que estoura o milho
ou nossas expectativas?
amar em voo em voo livre
é uma dádiva
eu que tanto amei
a sombra e o abismo alheio
sinto-me agraciada por amar
quem compreenda tantas cicatrizes
invisíveis
guardadas por trás do meu sorriso cansado
gravadas a ferro na memória
indeléveis parecem
busco, porém
queimar a dor no fogo do amor
aqueço o caldeirão
aprecio sua beleza
a natureza foi generosa
ao colocar essa mulher sob meus olhos
seus cabelos ao alcance do meu toque
seu coração perto do meu
balançando de esperança
de um mundo melhor
que nascerá com sementes e molotovs
e de dias melhores nossos
estes nascem de nossas mãos
sua coragem aquece e incendeia
meus e nossos amanhãs.