segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Farol

A bagunça de fora ecoa a bagunça de dentro. E o contrário também.


- Eu nunca quis realmente ir embora. Eu só precisei. Mas não quis. Só às vezes. Às vezes eu quis muito, muito. Não queria ter de lidar com aquilo nunca mais. Só que viremexe a gente tem, né? Um ex amigo meu disse uma vez, era meio piada, mas achei bem genial, que ex é um arquétipo; a gente tem de matar dentro da gente. E no final não é meio isso? O que a gente guarda, o que a memória guarda, é muito mais algo pra dentro do que de fora. Você pode ficar 2 anos sem ver alguém e o que você viveu com essa pessoa ainda reverbera dentro de ti. Para o bem, para o mal.

- E é por isso que eu não falo há 4 anos com meu pai.

- E eu entendo totalmente.

(...)

- Teve um dia que eu estava com ele na cama, domingo de manhã, talvez, ou qualquer outro dia, isso é menos relevante. E a gente tava abraçado, eu  sentindo o cheiro dele, o cheiro dele pela manhã, que quando a gente ama, a gente começa a reparar em ca-da detalhe, cada sutileza, o cheiro que eu sentia pela casa, do sabonete, do perfume, das roupas. E estávamos abraçados, fazendo carinho um no outro, eu pensei que queria tanto tanto mas tanto passar bastante tempo com ele. Dali a 5 anos ainda poder sentir aquele cheiro de manhã, poder olhar o rostinho dele quando eu acordava de madrugada com insônia pensando mil merdas, mas ele tava ali, do meu lado. Felizmente, alheio a esse caos que significa ser eu mesma, Depressiva Mello. E eu queria tanto tanto eternizar aquilo tudo, queria que estivesse ao meu alcance passar anos ali, anos assim, anos ao lado dele, talvez uma década, talvez algumas décadas. Poder saber que feliz ou infeliz, doente ou saudável, de excelente humor ou exausta estressada fodida, ele me amava, singelo e sincero, com uma pureza inigualável. Ele não tinha maldade dentro do coração, bom demais pra esse mundo.

- E afinal?

- E afinal a gente nunca será capaz de garantir a eternização de porra nenhuma. Durando as décadas que eu gostaria ou durando mais 3 dias, o que eu tinha, o que me foi dado, era o hoje. E o hoje, ainda que a depressão amargue tanta coisa dentro de mim, o hoje eu sei que valorizo. Quando eu morrer, se pesarem os acertos e equívocos da minha vida, sei que terei meus vários débitos, mas um não terei: eu amei de todo coração quem Deus colocou no meu caminho, e eu amei o melhor que pude com tudo de mim o meu amor que tinha nome de anjo e foi, de fato, a presença mais angelical da minha vida. E sigo amando até que as luzes se apaguem, e talvez além, porque amor é farol inquebrável de navegantes que perderam o rumo há tempo demais. 

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