quinta-feira, 14 de abril de 2022

petricor

formas monogâmicas de viver a vida
dessa normose não comungo mais 
a monocultura que não é boa para trigo
(tenho Spica próxima ao ascendente)
milho
"Tonantzin doy gracias por el maiz"

a monocultura que não é boa para o solo
tropical
a homogeneidade artificial
leva a necessidade de veneno
e se ensina a alquimia
ou o velho raizeiro
que veneno pra remédio
difere a dose
há o que envenena e ponto
glifosato 
ou centralizar 
objetivos de vida num único amor 
ainda que grande
enorme e pulsante
imensos são os rios do infinito
que convergem para o mar
e para lá chegar, rio
não bota cerca
dela desvia, contorna
transcende
rio não é pra hidrelétrica
corpos não são para cárceres
físicos ou não 

a homogeneidade artificial
do monocultivo
leva a escassez artificial
que comédias liberais e Malthus
tentaram pintar como natural
natureza para eles é imutável
contanto que torçam seu funcionamento 
para alimentar a voracidade do capital
a escassez como dado natural
assim fica parecendo inescapável

a natureza tem de tudo
sem régua
quantificamos, dizemos, para entender
mas que tipo de entender está sendo produzido
numa sociedade que não converte este entender
num sentir-pensar
do cuidado?

arquitetura da nutrição
"a água é a mãe da cura"
ensinou mestra 
Dona Flor, do Moinho
e no pilão se mexe com quina
sucupira
vassourinha do nerolidol
terpeno do cerrado
água de Iansã vem varrer
do céu que não cai, não hoje
cantamos pra suspender 
o petricor e a micorriza
o rizoma originário
mangará ancestral
como o futuro que estamos a criar. 

domingo, 10 de abril de 2022

maturidade


há um preço em se envelhecer cedo
comum que se diga 
"meninas amadurecem antes"
também eu já pensei 
"indígenas amadurecem antes"
ao me deparar com jovens de 14 
com mais seriedade e garra na luta
que quarentões esquerdomachos

não passa de romantização do sofrimento
passar perrengue, fome
violência doméstica, problema de moradia
perder território
seja terra
seja o território-corpo
invadido desde a infância 
olhares abjetos
o medo constante
a espreita
uma polícia que não se movimenta
para salvar a vida de uma mãe
mas se movimenta pra cercear
um baseado consensual na praça 

e chamamos de maturidade, por vezes
a seriedade
precoce
que talvez
nem deveríamos ter 
nem deveríamos ter
que ter 
não foi escolha
não há escolha
quando é sua carne na jogada
a vida dos seus
quando se cresce se preocupando com sua mãe
não ser morta
com sua comunidade
não ser morta
se cresce, sim
se amadurece? talvez
a que preço?

levar a vida a sério
tem sua beleza
quando se é obrigada a isso, porém
desde tenra idade
não é tão belo 
é sobrevivência
e saudade infindável da infância
que pouco veio, pouco houve

aprender a ter leveza
tem sido um dos desafios e objetivos
dos meus últimos anos
contudo, compreendi
jamais rirei com a leveza
de quem pôde ser pequeno
quando se era pequeno
eu tive de ser grande
quando não tinha nem 30kg
hoje tenho 42
e um inventário de cicatrizes
acompanhado, todavia
por um inventário de alegrias
celebro minha própria força
e crio novas narrativas
é em comunhão que me curo 
verbalizando o que é injusto
para que o que faltou a mim
seja abundante a todes.

 

terça-feira, 22 de março de 2022

alento

abuelos sussurraram
para dores que o verbo 
não alcança
há as plantas
a medicina do abraço
a música que faz bailar  
e vibrar novamente
corações ancestros

e é a magia do contato
encontros nas sinuosidades
do caminho
que faz-se matéria do espírito
e espírito da matéria
o desejo de receber
junto ao desejo de repartir
dar-se ao universo
e ganhar a si em troca

dispersão de sementes pelo vento
vuela vuela semilla
canción de estrella rosa del camino rojo
espírito do alento
alísio
insular
ventos da cordillera a amazônia
levam o colibri e o kanarô
pássaro da saudade
Yawanawa

vuela madre
gracias por todo
e quando honro minha vida
honro a ti
ao seguir 
cada vez mais livre
mais feliz
a bagagem torna-se mais leve
mais lúdica
musical
después del llanto, el canto
canto a meu coração 
e voo. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

périplo

(27.01.2022)

indo e falhando em ir
para chegar afinal onde deveria
estar
Ítaca território acima
morro abaixo desaguam os traumas
indo e voltando transbordando de margens
primeiras estórias, terceiras viagens

indo e voltando e indo de novo
sempre em trânsito
meus calcanhares não são de Aquiles
são de Hermes
abro caminho com carinho ou pedra
crio no escuro ou costuro no claro
versos
veleidades
vontades

"corazón que es lo único que tengo"
venho e saio quando quero ou como posso
forjo travessias
nelas manifesta-se o real
como gatomia, está quente, está quente
está chegando o que se desvela
Alethéia que abraço com a força do querer
viver. 

al-Kali-minha

sagrada rebeldia
sigo insubmissa
arquiteta do meu próprio destino
não mais de minha própria ruína

com quantas Marias se faz uma Kali
com quantas Kalis se faz uma Maria
alquimista do deserto
ó profetisa 
no seu banho de cozimento lento
o banho Maria
aqueço meus ossos cansados 
dando origem a novo ser 

ó forças das deidades telúricas
ctônicas
ancorai meu propósito nesta terra
amar ao próximo 
e guerrear contra o injusto
contra o que impede
a todes a vida próspera
cabeças dos inimigos sob os pés
da subterrânea
morte terrenal, aurora espiritual
onde estarão também
as sementes
amanhecer vindouro
já estamos vencendo

"qu'un sang impur 
abreuve nos sillons"
da revolução francesa 
o que mais me agrada 
é esta parte
lavrar o campo da retomada
com o sangue simbólico da vitória
de nossos ancestrais 
fertilizar e cultivar até no futuro 
fome ser mito de branco

"sabia, meu neto, que houve épocas
em que se acreditava que a comida 
fruto do solo sagrado
não dava para todos"
e ele responderá "nada a ver
esse Malthus, hein, abuela"
e direi "sim
mas sempre, sempre
houve quem fizesse e acreditasse
diferente
firmei com estes
e vencemos".

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

rebrota

07.02.2022
para  Clar(A), Rita Muniz e Brenda

nesta caixa de Pandora que é a vida
aferrei-me à esperança 
última que morre e base
de tudo que se vive 
Pandora, aprendi com minha mãe:
todos os dons
Teodoro: dons de Deus
seria inodoro o sem dons?
perdas olfativas da covid
tudo rebrotou

despeço-me deste território
sagrado
entrego meus dons
a serviço 
de todes
da humanidade
ventos
céu
terra
mar
meus dons a serviço

a brisa do linalol
presente na lavanda
manjericão
cannabis
me abraça
me afaga
me acolhe
tal como os corações
com os quais partilhei
meu butim
meus óleos
meu toque
minha presença

nunca é tarde
para renascer

meu coração sempre quis morada definitiva
fosse alguém
ou uma casa
lar físico para enraizar

tenho descoberto
os prazeres e a beleza
da itinerância
do trânsito
alado, mercurial
sou caminhante 
estelar
semeio a magia da vida
planto o que creio
por vezes nem estarei lá
para ver brotar
planto o que creio
na fé de que alguém 
colherá 
(como os milhos de Seu Jamil)

rio deságua no mar
maré é pêndulo lunar
fluxo refluxo
Pataxó, o som das ondas
ao quebrar
quero ouvi-las quebrar 
não quero ser eu a quebrar
quero agora sanar

planto o que creio
colho o que não plantei
e o que plantei também
semeio versos
plantarei amor a vida inteira
de uma forma ou de outra
alguém colherá
e que seja fértil e farta
a colheita
e o semear.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

seis

ele foi o raio que partiu minha árvore
inebriada de amor romântico messiânico
quis ver nisso bênção de Iansã
porém não foi raio de justiça
foi raio que arrebentou
seiva, floema, xilema
meus vasos internos
o raiu partiu minha árvore
sou de Oxóssi
ele também
a seta deveria ter sido
lançada com mais cuidado

dei-lhe um ofã preateado
ao final de tudo 
até isso foi razão para humilhação
seis 
com três seria nove
nosso mês de nascença 
cria do cerrado,
por que quase mataste minhas raízes?

em março completo um ano
de fim
este sem eterno retorno
é corte da cabeça de hidra de lerna:
cauterizei
na força da brasa 
de um telefonema na segunda clínica
uma ligação para desligar 
o que havia perdurado por demais 

a personalidade limítrofe
reverberou com tanta falta minha
quis curar, permanecer 
quis mergulhar na compulsão a repetição
se o salvasse
seria como salvar a minha mãe 
e a mim mesma 

eu salvei a mim mesma 
todos os dias dos últimos 27 anos
até nos que tentei desistir
eu permaneci 
eis-me aqui 
meu arco e seta apontam não para ele
só desejo o melhor
apontam para inimigo algum
minha seta aponta somente para frente
nas bênçãos das matas e cachoeiras 
minha suprema vitória é minha vida e saúde
e a última estação, esperança
trem este que pego todo dia.