domingo, 29 de maio de 2016

Aos pedaços

Eu perdi um amigo e então se abrem
as feridas antigas
as feridas do que restou do que sou

Eu perdi um amigo e agora acabou
de novo
a chance
de recomeço
eu perdi um amigo e não sei lidar
eu perdi minha mãe e achei que isso fosse me matar

Noites insones e o pesadelo era real
ela havia tirado a própria vida e não havia nada, nada
capaz de salvar

E agora o que faço do que restou
o que fazer com todos os pedaços
com todos os machucados
o que fazer num mundo tão hostil e cruel
que jamais cessa de mutilar
um coração já tão pesado

E o que faço agora com todos esses pedaços
dele, dela
de quem ficou e foi
o que faço com as metades arrancadas
prematuramente do coração de quem os amava

O que faço eu com todos esses pedaços de mágoa
com esses estilhaços de carne pesada
o que fazer com todas as partes fragmentadas
o que fazer de uma existência retalhada

O que fazer de si
para que imersos no caos abissal de sentir
ainda seja possível estar aqui
para que pareça viável seguir
para que possamos seguir

O que fazer da vida
que não seja morte
o que fazer da vida
para que não seja morte
para que se finde de forma diferente

O que fazer da vida e morte
para não sermos os próximos
para que não haja próximos
para que descansar nao exija cessar de viver

O que fazer da vida
para ela parecer digna de ser vivida
e não um entrave no caminho para os braços da morte

O que fazer da minha vida
para conseguir continuar viva
mais dias
apesar
do pesar
de pesar
e rasgar.

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