há um preço em se envelhecer cedo
comum que se diga
"meninas amadurecem antes"
também eu já pensei
"indígenas amadurecem antes"
ao me deparar com jovens de 14
com mais seriedade e garra na luta
que quarentões esquerdomachos
não passa de romantização do sofrimento
passar perrengue, fome
violência doméstica, problema de moradia
perder território
seja terra
seja o território-corpo
invadido desde a infância
olhares abjetos
o medo constante
a espreita
uma polícia que não se movimenta
para salvar a vida de uma mãe
mas se movimenta pra cercear
um baseado consensual na praça
e chamamos de maturidade, por vezes
a seriedade
precoce
que talvez
nem deveríamos ter
nem deveríamos ter
que ter
não foi escolha
não há escolha
quando é sua carne na jogada
a vida dos seus
quando se cresce se preocupando com sua mãe
não ser morta
com sua comunidade
não ser morta
se cresce, sim
se amadurece? talvez
a que preço?
levar a vida a sério
tem sua beleza
quando se é obrigada a isso, porém
desde tenra idade
não é tão belo
é sobrevivência
e saudade infindável da infância
que pouco veio, pouco houve
aprender a ter leveza
tem sido um dos desafios e objetivos
dos meus últimos anos
contudo, compreendi
jamais rirei com a leveza
de quem pôde ser pequeno
quando se era pequeno
eu tive de ser grande
quando não tinha nem 30kg
hoje tenho 42
e um inventário de cicatrizes
acompanhado, todavia
por um inventário de alegrias
celebro minha própria força
e crio novas narrativas
é em comunhão que me curo
verbalizando o que é injusto
para que o que faltou a mim
seja abundante a todes.
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