terça-feira, 10 de setembro de 2013

Sobre suicídio, condenação e solidariedade

 Existe uma mulher muito maravilhosa chamada Adriana Mendes, jornalista, guerreira, e igualmente, como eu, fã de The Cure e Smiths que me citou num post dela. Eu havia postado uma imagem do Calvin e Haroldo (que nem sei se era a tirinha original; acredito que substituíram as falas) falando sobre bandas de mEtAl e a mãe do Calvin dizendo que se eles fossem tão tr00 assim eles se matariam num ritual satânico no meio de um show, e que na verdade eles só falavam desses assuntos nas músicas pelo dinheiro. Eu compartilhei a imagem e comentei da minha teoria de que o Robert Smith e o Morrissey são dois posers porque estão desde os anos 80 falando de suicídio sem concretizar.

Mas o post dela apenas citou isso, por cima; era um post sobre suicídio, especificamente, o suicídio do Champignon, da banda Charlie Brown Jr.

Eu não ouço Charlie Brown. Eu não estou inteirada do caso. Contudo, suicídio é um tema que me toca profundamente.

Eu tentei me matar pela primeira vez aos 10 anos de idade - enforcada. A segunda, aos 12, com overdose de medicamentos. Aos 15, enforcada. Aos 18, aluguei um quarto do 13º andar pra me jogar, tentei injetar vaselina na veia (não tenho as manha), cogitei me enforcar, caminhei até a rodoviária do Plano pra me jogar (chegando lá achei que não seria alto o bastante), e, por fim, tomei meu antidepressivo em superdosagem. Acordei com uma crise de ansiedade terrível e, desde então, decidi que, por ora, não quero morrer. Isso foi em julho.

Recentemente, no dia 1º de setembro, eu completei 19 anos, e no dia 2, me tatuei. Tatuei "Choose Life." "Escolha vida."









Como eu disse a uma amiga,
"Eu acho que suicídio é meu fantasma da vida inteira
por isso que quero tatuar choose life
pra quando tudo doer muito e eu ver a tattoo no espelho, eu lembre de que a tattoo doeu mas tá ali pra sempre
e que algumas dores são transitórias também
e porque, se um dia eu realmente não conseguir ir além, vai estar gravado na minha pele o quanto eu tentei, tentei a sério e com tudo de mim"
 

Ela: "é como se vc admitisse que o suicidio é uma parte de vc que vai existir pra sempre, mas q ela pode se manter menos forte que outras vontades."
 

Eu: "sim
é bem isso mesmo

eu não ouso dizer "estou curada", "essa ideia está totalmente fora de cogitação"

o que digo é: tentarei ser mais forte que isso

tentarei domar a ânsia.
"

Eu tatuei Choose Life, porque eu quero viver, e, mais importante, para eu ter isso gravado na minha pele. Eu dizia muitas vezes a meu ex namorado que eu tinha vontade de tatuar alguma frase relacionada a força, resistência, sobrevivência, porém, que eu temia tatuar e um dia de fato me suicidar e a tatuagem me denunciar como uma covarde. Eu já não penso assim.

Suicidas nunca são covardes. Suicidas nunca são fracos. Cada dia em que acordamos vives é um novo marco de que nunca vivemos, numericamente, tantos dias quanto aquele. E sobreviver custa caro. Todas as pessoas que estão vivas, hoje, merecem parabéns por terem conseguido isso, especialmente se o fizeram e fazem tentando não prejudicar o próximo.

Eu já discuti com um bom número de psiquiatras, durante o pior da minha depressão, quando eu estava decidida a me suicidar. E, francamente? Eu tenho certeza que eles não entendiam essa vontade. Na minha opinião, por trás dessa ideia de patologizar tode suicida (a todes se atribuem ou atribuiríam depressão ou qualquer desordem psiquiátrica), e interná-les, existe um medo muito grande de admitir que uma pessoa totalmente lúcida possa sentir tanta dor que decida pôr fim a própria vida. Disso, decorrem inúmeras besteiras sobre suicidas, do tipo "Poderia ter tentado mais", "Não se esforçou o bastante", "Jovem demais", "Tinha saúde", "Deveria ter procurado ajuda."

"Deveria ter procurado ajuda". Era esse o ponto que eu queria chegar.

Quando alguém diz isso, a que tipo de ajuda a pessoa se refere? Profissional? Acho importantíssimo refletir sobre por que depositar tantas esperanças nas ciências psi, e mais do que isso: Refletir sobre o que qualquer um pode fazer.

Você acredita que você seja uma pessoa que um suicida poderia ligar para pedir ajuda? Você acredita que você mostra às pessoas que lhe cercam que você está disposte a apoiá-las, cuidar delas, ouvi-las e respeitá-las caso elas recorram a você?

Eu tive essas pessoas, esse ano. Nunca na vida eu tive tanta certeza de que eu era amada e tinha em quem me apoiar.

Já postei aqui no blog o que o psicanalista do Yoñlu falou:

"Namorar a idéia do suicídio é uma coisa que muita gente faz, é fantasia comum na adolescência e visitante freqüente dos desesperados. Chegar à beira de se matar também é algo que ocorre muito mais do que se admite publicamente, mesmo com pessoas que estão bem acompanhadas na vida, que possuem vínculos sólidos. Mas poucos chegam a se matar. Na hora, falta uma energia extra. Há uma força vital que nos segura no último momento. Essa força que nos prende ao grupo, às outras pessoas, ao quanto os outros gostam da gente e ao quanto nós gostamos dos outros. Isso tece uma rede, uma teia que nos suporta na vida. Muitas vezes, quando o sangue aparece nos pulsos cortados, as pessoas acordam do seu transe mortífero e pedem ajuda. Para dar esse último passo, se suicidar, é preciso de um desespero, de uma desesperança muito forte ou de alguém que te puxe para baixo."*

E eu comentei, dia 8 de fevereiro deste ano: Minha teia contra minha desesperança. Façamos nossas apostas. 

Houve um tempo em que mesmo a teia existindo, a desesperança quase me levou embora. Nessa última tentativa de suicídio, com os medicamentos, eu fiquei em dúvida entre tentar me enforcar ou tomar os remédios. Optei pelos remédios. Creio que uma parte de mim quis dar uma chance de eu falhar. E felizmente, falhei.

Há quem não falhe. Há quem tenha êxito no suicídio. Minha mãe teve.

As religiões, majoritariamente, condenam o suicida a sofrimentos terríveis após sua morte. Muita gente cita "Ser ou não ser, eis a questão", do Hamlet, peça do Shakespeare, todavia, poucos sabem que esse trecho é uma divagação sobre suicídio. 

Ele diz:  
"Morrer... dormir; nada mais! E com o sono, dizem, terminamos o pesar do coração e os mil naturais conflitos que constituem a herança da carne! Que fim poderia ser mais devotadamente desejado? Morrer... dormir! Dormir!... Talvez sonhar! Sim, eis aí a dificuldade! Porque é forçoso que nos detenhamos a considerar que sonhos possam sobrevir, durante o sono da morte, quando nos tenhamos libertado do torvelinho da vida. Aí está a reflexão que torna uma calamidade a vida assim tão longa!" 
E se põe a citar várias coisas desagradáveis que viver nos obriga a enfrentar. E para mim faz muito sentido: as religiões condenam o suicida (o que eu acho extremamente cruel) como um mecanismo de controle. Através do medo, tentam impedir as pessoas a suicidar-se. Porque de fato, se a morte é o supremo desconhecido, suicidar-se é espontaneamente lançar-se a ela. E ainda há quem diga que suicidas são covardes. Acredito, também, que a patologização do suicídio também se preste a esse controle: vamos dar um remedinhos que deixem essa pessoa tão anestesiada que não se jogue da janela, mas ainda produtiva. Produtiva pra ela mesma? Não, ingênue: para o mercado de trabalho, para suas obrigações perante a sociedade.

Se alguém se suicida, o sofrimento não foi pequeno. Julgar essas pessoas é julgar-se dotade de uma força moral  da sobrevivência que essas pessoas também tiveram, até o momento em que deixaram de ter.

Em vez lamentar suicídios, ou ceder a essa ânsia cruel de condená-los e julgá-los, é muito mais producente tentar evitar suicídios.

Seja sensível ao sofrimento alheio. Ofereça ajuda. Pergunte com honestidade como as pessoas estão; tenha tempo para as pessoas. Talvez a pessoa não esteja nem cogitando suicídio, mas está mal, e às vezes gentileza gratuita e inesperada pode realmente mudar um dia. Ou salvar uma existência.

Eu que o diga.

Obrigada a todes que me querem viva e me ajudaram a conseguir nisso. 


1- Post da Adriana Linda: http://etudoverdademesmo.blogspot.com.br/2013/09/a-decisao-de-champignon.html?spref=fb

2- Post em que está a entrevista do psicanalista do Yoñlu: http://conhecerparaprevenir.blogspot.com.br/2009/08/o-caso-vinicius-em-uma-corajosa.html

3- Post da citação de Hamlet: http://abaixoagravidade.blogspot.com.br/2013/07/shakespeare-hamlet.html

8 comentários:

  1. Olá Giovana.
    Espero de verdade que esteja bem, sei como é isso, já quis me suicidar inúmeras vezes, tenho depressão e também tomo venlafaxina. Mas tenho uma peculiaridade: sou ´psicóloga. O que talvez me diferencie dos seus psiquiatras, porque eu sei sim o que é essa vontade na pele, por um lado me sinto uma fraude, por outro, minha empatia com pessoas que passam por isso é muito grande o que me ajuda na clínica. Acredito que a sociedade capitalista condena o suicídio (chegando a ser crime) por se tratar de indivíduos produtivos, mas acredite, existem pessoas que querem cuidar de verdade deles, e eu sou uma delas, fico disponível para que eles me liguem se precisarem. O suicídio para mim é uma falta de opção, é você se sentir encurralado, sem alternativas para aliviar sua dor, é um desespero muito grande, não se deve mesmo desdenhar desse sofrimento, por outro lado, não tem como negar para mim que é uma patologia, a falta de lucidez não indica a doença, o excesso de sofrimento sim. Todos nós estamos fadados a sofrer nessa vida e por isso sim concordo somos sobreviventes, porém o excesso de sofrimento é doença, e não porque eu queira estigmatizar alguém, mas porque eu quero que ela tenha uma vida com saúde e sei que saúde é o contrário do que ela está vivendo agora, o diagnóstico nada mais é do que um norteador para o tipo de conduta e cuidado que vou ter, não um jeito de me referir a pessoa como se ela não tivesse um nome, ou como se todos os depressivos fossem iguais e não tivessem subjetividade e idiossincrasias.
    Quando se referem a procurar ajuda, é profissional, mas realmente não só, qualquer trabalho psicoterapêutico funciona melhor se a pessoa tem ajuda de outras pessoas significativas com quem ela pode contar, e eu também estou lá para isso, para ajudar a consertar ou recriar essas teias, essas relações para que se viva melhor, veja, quando se fala de ajuda profissional, não quero ser a ajuda exclusiva na vida de alguém que fique dependendo de mim para se sentir bem, quero que essa pessoa tenha autonomia e se sinta bem na sua vida, infelizmente isso nem sempre acontece, existem pessoas que não tem muito com quem contar, e a criação de laços é muito difícil, pois os recursos da pessoa estão cada vez mais precários devido ao seu sofrimento oque muita vezes mais afasta do que aproxima pessoas. Quantas vezes não ouvimos alguém falar que depressão era frescura ou coisa do tipo? Muitas pessoas sofrem caladas, ouvindo esse tipo de coisa de familiares e pessoas mais próximas, se não houver uma ajuda profissional num caso assim, alguém que vai escutá-lo de forma diferenciada e validar seu sofrimento, essa pessoa corre sérios riscos de cometer suicídio, visto que ficou sem alternativas e sem ajuda para enfrenta-lo.
    Eu sei que parece que estou defendendo os psicólogos nesse comentário, mas na verdade estou falando mais de mim e da minha conduta, não posso falar por todos e sei que existem todos os tipos de profissionais, estou falando por mim e não quero defender os profissionais, queria apenas colocar que acho que essa ajuda profissional é importante, sei por vivência o que é uma pessoa começar a ter esperança só por encontrar alguém que valida sua dor, que a entende e por mais que nem suspeitem, que a sente na pele também.
    Um beijo Giovana, espero que continue tendo forças para lutar contra seu sofrimento

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  2. Gostei bastante do comentário. Mas sobre alguém que valide o sofrimento - esse é o ponto, sabe? Eu quis sugerir isso no blog: não precisa ser profissional para poder respeitar a dor de alguém como legítima. Basta exercer a empatia.

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    1. Eu concordo, as pessoas poderiam sim ser mais solidárias e entender o sofrimento alheio, mas muitas e muitas vezes não é assim =(

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  3. Muito bom o seu texto, além de ser informativo, é carregado de IDEIAS. Indico também este: http://www.fotolog.com/eddiemetafisico/48863164/.
    Também: A Aldeia de Stiepantchikov, de Fiódor Dostoiévski.

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  4. Giovana, estou em lágrimas, talvez pq a depressão esteja me rondando, talvez pq ainda esteja abalada pelo suícidio do Champs, que conheci qdo ele tinha 13, 14 anos e era um doce, um virtuose... e não parecia ter esse perfil, mas, certamente, estou chorando pq seu texto é tão sincero, tão visceral que me emociona. Talvez por eu ter tentado o suícido aos 34 anos e querer esquecer, mas por nunca conseguir, porque no meu processo de guarda estão lá os laudos, o genitor de minha filha, que pegou a guarda, não me deixa esquecer, manda emails aos 4 ventos dizendo que sou um perigo, que posso matar minha filha e me matar... tão cruel... mas estou aqui e não quero morrer, embora pense muito como isso diminuiria o sofrimento. Entendo também que qto mais sabemos, mais sofremos... vc é inteligente demais, o mundo precisa muito de pessoas como vc. Te adoro, garota!

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  5. Giovana! Espero que você encontre um sentido para a vida. Tudo se resume a isso. Parece simples para a maioria das pessoas, mas na verdade quanto mais se pensa, mas se sofre. Você é tão novinha e tem a vida inteira pela frente! Não a desperdice! Procure fazer deste um lugar melhor pra se viver. E quando chegar a hora, pra se morrer. Eu não tenho religião, mas ter a certeza de que não há nada depois da morte me parece tanta prepotência quanto ter certeza de que há, portanto, na dúvida, se jogar ao desconhecido como vc descreve através do suicídio, pode não ser um bom negócio. Já pensou se existir um inferno como o descrito por Dante que abrigue os suicidas por toda a eternidade? E para quem já está morto morrer deixa de ser um opção? Melhor ficar por aqui. Este é um lugar de muito sofrimento, mas também de muito amor. A vida surpreende! Nas pequenas coisas. O mar, o pôr do sol que nunca é igual, a lua sempre maravilhosa, o cheiro do mato, as flores. Espero que você fique por aqui por muitos e muitos anos. Força!

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  6. Ninguém deve julgar ninguém. Mas não existe um suicida totalmente lúcido. Suicídio é contra a natureza humana de lutar pela sobrevivência o que torna uma anomalia, logo uma patologia. Não é um problema se tratar de uma doença, mesmo que seja mental. Você disse que sua mãe se matou, mais uma prova de que se trata de uma doença, que você herdou. Tenha fé em VOCÊ e procure ajuda psiquiátrica!

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  7. Anônimo, na moral que tu leu o post inteiro pra dizer uma bosta dessa?

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