sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
harmonia
sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
micorriza
para Álilien
terça-feira, 16 de novembro de 2021
cupa yba
(29.03.2020)
para Alexandre
terça-feira, 2 de novembro de 2021
carbo-a-mato
para Lilian
no dia dos mortos
meus maior presente é sua vida
sua vida
que sobreviveu a tanto
que sobreviveu a tantos
sua vida
veneno falhado
heterocispatriarcado falhado
mono Deus falhado
sua vida
que transbordou das cercas
que transbordou do livro sagrado
falhado
que você não escreveu nem escolheu
sua vida sobreviveu
sua vida indomável
seu corpo indomável
a domesticação de plantas
feita pelos originários
foi chamada de domesticada por algum branco
trazer as plantas próximas
e aprender a manejar
não precisa ser domesticar
pode ser amor
pode ser amar
os corpos em liberdade são mais felizes
e se dizem que "yo no creo en brujas
pero que las hay, las hay"
nós existimos
acreditem ou não
enunciamos nossas verdades
e o mundo inteiro pode me negar
eu sei que você me ouve
e portanto não me sinto só, me sinto inteira
não completa no amor romântico
me sinto inteira pois sou vista
escutada
amada
e minha palavra tem valor
você é meu sol não porque eu orbite ao seu redor
tampouco você sobre mim
você é meu sol
porque o escuro não me faz querer ir embora mais.
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
clareia
para quem quer aprender
tudo é mestre
planta rasteira
cabruca, mata, floresta
jacu, matrizeira
quebra a dormência
da inércia
pra quem quer aprender
todo espaço é clareira
espaço vazio
do vácuo dos excessos
pra quem quer aprender
o universo clareia
alumia, faz-se luz
de olhos abertos
ouvidos alertas
coração aberto
torna-se elo da teia
quebrantos coloniais
vão ficando pela areia
medo de viver
medo de plantar
medo de errar
medo de vencer
ensina a raizeira:
toma o chá amargo
que faz ver jiboia
miração
e bota pra fora
todo inço errante
que já passou da hora
serpenteia o destino
eterno retorno
ouroboros da terra
no território do espírito
não tem cerca nem fronteiras
tem vida
e fartura pra quem semeia
neste feitio de ser gente
abençoo a cada passo
do caminho, da jornada
valorizo a travessia
e não temo a chegada
a Deus entrego o barco
e não busco sair pelas margens
da vida
da morte
pego o remo e decreto
palavra é magia
então jogo pro universo
eu vou até o fim.
segunda-feira, 9 de agosto de 2021
retomada
05.08.2021
relações agroecológicas
não alelopáticas
respeitar o ciclo das folhas
das flores
do crescimento
das sementes
e da poda
dos excedentes
foram 6 anos de alelopatia
que eu chamei amor
os alcalóides que usava
não eram o que me intoxicava
foi o maltrato
o mau manejo
adoeceu meu solo
tanto veneno
disfarçado de afeto
compactou meu solo
exauriu, empobreceu
só que não posso
meramente abandonar este território
que é minha pele e corpo
vivo aqui dentro
me resta reflorestar
para tudo tem jeito
nessa vida
menos para morte
hoje não quero morrer
não quero amor agrotóxico
não há veneno que corrija erro
de uma trepadeira asfixiando
minhas raízes
podo
corto
quero Sol representando fogo
para transmutar medos e dor
"abro mão da primavera
para que continues me olhando"
disse Neruda
abençoo o inverno
aguardando a primavera
para que ele não siga me olhando
meu reflexo no espelho
meu abebe de Oxum
olha nos meus olhos
orgulhosa de quem sou
podo correto para ascender
a Lua é minha mãe
as plantas, minhas irmãs
podo para não perder energia
crescendo galhos que
pesarão em meu tronco
corto
cresço, não pereço
renasço
rumo meu barco
não esqueço Caronte
hoje voo com Hermes
crio caminhos no escuro
bailando com o vento
e pirilampos e pássaros
soberania é estar viva
embarco nesse desafio
escolho Agroecologia
e não monogamia.
quinta-feira, 22 de julho de 2021
terrorismo de gênero
estupro é terrorismo de gênero
feminicídio é terrorismo de gênero
violência doméstica é terrorismo de gênero
e vamos nomear os algozes: os homens
não é o patriarcado
entidade sistema abstrato
é essa ideologia misógina
que se corporifica em cada indivíduo
e sua subjetividade
homens - os que matam
mulheres - as que são mortas
domingo, 4 de julho de 2021
ctônica
domingo, 13 de junho de 2021
Adstringens
O amor comeu minha autoestima. O amor comeu minha alegria. O amor comeu minha coragem - que vem de cor, coração. O amor comeu minhas virtudes. O amor comeu meu dom de amar.
O amor (e o luto, que é outro de seus nomes) comeu meus cabelos. O amor comeu meu lar. O amor comeu minha resiliência.
O amor comeu minha capacidade de confiar. O amor comeu minha entrega. O amor comeu minha generosidade, e a tornou fonte de vergonha, posto que símbolo de minha generosa estupidez.
O amor comeu as cartas que enviei ao longo de 6 anos com respostas mais do que tardias e escassas. O amor comeu meu desejo de amar. O amor comeu meu sonho de ter uma família.
O amor comeu minha fé neste estandarte ensanguentado que é a devoção unilateral. O amor me lembrou que eu não sou Jesus Cristo e abnegação sem limites é a estrada para o inferno da autodestruição. O amor esfregou sal em feridas de 20 anos atrás. O amor descosturou retalhos de minh'alma que alinhavei com supremo esmero, desfeitos num rasgo acompanhado de riso de escárnio.
"It's so easy to laugh
It's so easy to hate
It takes strength to be gentle and kind."
O amor comeu muito de mim, todavia, a última frase está gravada indelevelmente em meu antebraço. Não posso apagá-la, não posso esquecê-la. Não quero me tornar um resto de pessoa afundada em traumas a ponto de minhas arestas rasgarem as mãos de quem quiser fazer um afago. Como rasgaram as minhas. Como rasgaram as minhas.
E sangram.
O tanino do barbatimão é um cicatrizante excepcional. Quando usado de forma equivocada, no entanto, pode fechar feridas que deveriam ficar abertas e gerar uma infecção.
Não quero costurar mais nada antes da hora.
Se meu coração tornou-se hemorrágico, que o sangue me lave e uma ablução futura traga sentido às feridas.
Recuperação de áreas degradadas é uma arte. Em nome disso estudo. Em nome disso espero. Em nome disso aguardo. Em nome disso morro.
Para que um dia eu possa voltar a viver em plenitude e abundância. Para que o afeto alheio não seja
punhal aos meus olhos
e o meu afeto não seja
punhal para minha carne.
terça-feira, 20 de abril de 2021
vermelho-romã
você parou de comer porque o amava
em certa medida, eu também
para ser mais amada
ou para desaparecer
o amor no patriarcado
soa como tragédia
dolorida
ainda que mil vezes encenada
e nós amamos as gregas
e Perséfone, e Psique
e as ninfas, e os átridas
amar mulheres
ainda é ser apátrida
nesta terra que não nos cabe
jogo minhas tranças a ti
pois me permitiu não jogá-las
quando eu não quisesse
amor floresce
na quietude das madrugadas
este solo que é nosso
é nosso não porque a desejo somente para mim
é nosso porque neste habitar
neste espaço-tempo afetivo, cálido lugar
o que construímos é inimitável
bordado com a delicadeza
de mãos femininas
que escrevem poesia
e artigos
e odeiam hospícios
e conspiram
juntas
cuidarei de meus traumas
lavarei minhas marcas
para que o que saia de sua boca
eu sempre admire
e jamais silencie
que você possa falar e calar
gritar e chorar e inclusive me deixar
a porta sempre está aberta
jamais será um cárcere
jamais pedirei mais
do que o que pode oferecer
dentro dos seus limites
o possível é um caminho que vale a pena desbravar
nesta jornada permeada
pelo incognoscível
venusianas nos olhamos
talvez um dia a poucos centímetros
dos quais cada milímetro de poesia
e conexão
adoçou meus dias
e ajudou a desejar
que outros virão.
terça-feira, 13 de abril de 2021
átropos
exorcizar as saudades
costurar retalhos
alguns continuarão desfiados
alguns carregarei rasgados
romper a trama
desfazer o tecido
acolher os fragmentos
e remar com eles
Estige acima
moeda debaixo da língua
entregar a Caronte
e pedir para voltar
para a terceira margem do rio
entre mistério e insondável
meu amado corpo etéreo, por favor
seja um corpo vivo
não um corpo coberto por lençol
o poder que não tenho frente a isso
é a angústia que consome meus dias
talvez perguntar a Caronte
se a terceira margem do rio
é, afinal, um bom destino
no conto de Guimarães Rosa
um filho propõe assumir na canoa
o lugar do pai lunático
quando digo lunático, não digo insano
digo com a mente tocada pela lua
e para sempre marcada
e talvez eu já tenha assumido
em demasia
papéis que não eram meus
papéis que não eram cabíveis
mas para os quais a vida me empurrou
sinto-me drenada
cuidei de muita gente
poucas cuidaram de mim
e agora não quero cuidar de ninguém
nem de quem merece
não quero me doar
não quero perdoar
não quero compreender
não quero acolher
não quero ser prestativa
compassiva
útil
servil
"and I'll walk away in spite of you"
rio acima, rio abaixo
rio adentro, margens transpostas
se meu coração fosse um rio
existiram muitas Vales no caminho
e em meio a tanta lama
a flor de lótus eventualmente
cansa-se de desabrochar
mediante tanto sofrimento
e florescer demanda energia
que uma planta esgotada
não tem
a única planta que posso ser agora
é uma cria do cerrado
raízes 3 vezes maiores que a superfície
3 vezes maiores do que o que se vê
na busca de águas profundas
que talvez não estejam contaminadas
intoxicadas de mágoa
contudo, a inteligência botânica
que permite às raízes cerratenses
encontrar águas subterrâneas
é para stress hídrico condizente
com o mundo natural
o cerrado não está preparado para incêndios
criminosos
o fogo é bom para a canela de ema
a lama, para as árvores do mangue
no lugar errado
tudo pode arruinar
para onde Caronte
o destino
vai levar a canoa
não sei
o que sei é que a única canoa que me pertence
é a minha
o único caminho que me pertence
é o meu
entre reinos, remos e ofã
quero a paz que desejei a outros
para mim.