"Inventamos novos caminhos para não ter que passar nossas vidas no escuro."
Andrew Solomon - O demônio do meio dia - Uma anatomia da depressão
desconheço panacéias
desconheço pedra filosofal
exceto pelo amor
mercúrio e enxofre
sangue e lágrimas
saliva, carne, alma
asfalto, fumaça
neblina
ausências
desconheço panacéias
e as vejo com desconfiança
subjetividade tão distintas
o que poderia servir para todas?
contudo, creio nos expurgos
nos chás que promovem suadouros capazes
de extirpar doenças
sabores por vezes amargos
que trazem excelentes resultados
creio nos expurgos
e nas transmutações
panacéia não há
mas há alquimia
diária
em misturar tanto caos
com o caos alheio
e em meio a isso
criar a ordem
uma ordem orgânica
não a ordem higienizada artificial do capital
a ordem da natureza
essa ordem se manifesta
quando se equilibram os pólos
quando a separação fragmentada
dá lugar a integração empática
e sensível
bruxaria não é só sobre rituais complexos secretos
bruxaria é sobre entrar profundamente em contato consigo mesma
e, ao acolher a sombra
integrá-la
amar mais
e melhor
conhecer a si
e permitir ser conhecida
ser senhora dos próprios caminhos
em vez de caminhante nos dos outros
me bastarão os meus
sombra e luz fazem teatro e mágica
mistérios iniciáticos ou sexualidade
só ou acompanhada
temer a escuridão é a ilusão dispensável
panacéias não existem
curas múltiplas sim
amar e ser amada
ser cuidada e cuidar
arrancar gazes de ferimentos antigos e deixar ir
água doce pra beber e lavar
Mundo inteiro em si mesmo
para reintegrarmos a nós mesmas
sem aniquilação de si
renascer em potência infinita
e deixar sair e morrer
para viver cada vez mais.
sábado, 26 de novembro de 2016
insurgente II
meu amor é uma força da natureza
eu o sinto nos meus ossos
eu o sinto em meus lábios
eu o sinto em mi sangre
eu o sinto em meu útero
eu o sinto em minha luta
nas lutas maiores e menores
nas lutas diárias
nas macro, anti-sistêmicas
e nas batalhas interiores
para iniciar e finalizar cada dia viva
e permanecer sempre fiel a mim
meu amor é rebeldia
que escorre pelo verbo
é presença indomável
e transgressão dos medos
marcados em minha carne
no meu invólucro de corpo feminino
meu amor é potência criativa
para um poema ou para um novo amanhã
"nossa profissão é a esperança"
meu amor é ofício que escolhi
seguir pulsando, criando, quebrando
jaulas
demolindo cárceres
e cuidar do outro
e cuidar de mim
e aceitar e amar o cuidado
e deixar ser na medida em que é
e viver na medida que sou
e amar com o fogo incandescente
de quem segura uma mão com a mesma delicadeza
que acende um molotov
e arde a cidade
e ardemos nós
de formas melhores.
quarta-feira, 23 de novembro de 2016
Pausa para paz
Amor é refúgio.
Pra passar stress a gente já tem o capitalismo neoliberal e seus desdobramentos.
Amor é pra você pensar que vale a pena estar aqui apesar dos pesos só pra poder olhar aquele rosto específico que faz sua alma brilhar.
Amor não deve ser martírio. Amor é pra ser copo d'água 16h no auge da seca de Brasília.
Amor é concretização do sonho que queremos, e não reprodução das lógicas que precisamos destruir.
Amor é futuro almejado e presente construído. Dia a dia e para cima. Transbordar de entrega.
Amor é potência pulsando de vida que ajuda a criar novas vidas em uma.
Amor é caminho, labirinto, sinuosidade. Amor é intenção de cura. É busca por completude.
Ninguém nos completa.
Mas o amor nos completa.
Preenche espaços e ausências, apazigua feridas. Amor é permanência e despedida. Amor é plenitude e maximização do ser. Amor é rio que nutre a terra que o cerca. Amor é terra em que florescem lírios, caliandras, flor de jagube, girassóis.
Amor é miríade de metáforas para expressar o inefável e registrar: que senti. E sinto. Sentimos.
Pra passar stress a gente já tem o capitalismo neoliberal e seus desdobramentos.
Amor é pra você pensar que vale a pena estar aqui apesar dos pesos só pra poder olhar aquele rosto específico que faz sua alma brilhar.
Amor não deve ser martírio. Amor é pra ser copo d'água 16h no auge da seca de Brasília.
Amor é concretização do sonho que queremos, e não reprodução das lógicas que precisamos destruir.
Amor é futuro almejado e presente construído. Dia a dia e para cima. Transbordar de entrega.
Amor é potência pulsando de vida que ajuda a criar novas vidas em uma.
Amor é caminho, labirinto, sinuosidade. Amor é intenção de cura. É busca por completude.
Ninguém nos completa.
Mas o amor nos completa.
Preenche espaços e ausências, apazigua feridas. Amor é permanência e despedida. Amor é plenitude e maximização do ser. Amor é rio que nutre a terra que o cerca. Amor é terra em que florescem lírios, caliandras, flor de jagube, girassóis.
Amor é miríade de metáforas para expressar o inefável e registrar: que senti. E sinto. Sentimos.
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
metamorfose
para Edmar
rasgo o silêncio
e o torno fecundo
sopro água, cuspo fogo
lambo feridas antigas
chega de esfregar sal
eu quero sanar
e o torno fecundo
sopro água, cuspo fogo
lambo feridas antigas
chega de esfregar sal
eu quero sanar
(que te importam minhas chagas?
meus vícios de tristeza
"do que a gente sabe da cidade dos outros?")
meus vícios de tristeza
"do que a gente sabe da cidade dos outros?")
quando morreres, ninguém te devolverá
o amor que não deste
podes enterrá-lo
mas jamais frutifica
o que foi plantado errado
o amor que não deste
podes enterrá-lo
mas jamais frutifica
o que foi plantado errado
de ervas daninhas estou farta
(e do lirismo que não é libertação)
quero alecrim e alegria
manjericão e paz
amor e repouso
descansar nos braços do mar.
(e do lirismo que não é libertação)
quero alecrim e alegria
manjericão e paz
amor e repouso
descansar nos braços do mar.
quinta-feira, 10 de novembro de 2016
Para Ariadne
essa dor de ser mulher
eu a carrego
e sinto
no meu útero
na minha vulva
nos meus ossos
nos meus olhos
na minha carne
na minha alma
eu a carrego
e sinto
no meu útero
na minha vulva
nos meus ossos
nos meus olhos
na minha carne
na minha alma
essa dor de sofrer só
de confiar neles sempre com receio
de ter sua subjetividade
construída tanto sobre
o medo
de confiar neles sempre com receio
de ter sua subjetividade
construída tanto sobre
o medo
essa dor de ser mulher
e tratada como inacabada
pouco confiável
emocional demais
sempre policiada
em seu existir
essa dor de resistir diariamente
toda mulher a conhece
até mesmo as de extrema direita
apressam o passo ao ver um homem no caminho
na rua deserta
onde habita o desespero
essa dor de transbordar
um sangue desprezado
e seguimos buscando
"criar uma nova vida"
no apoio mútuo
na luta
no silêncio
nos chás e ervas
na dança
na poesia
na angústia
criamos como artistas mulheres
(o "artista" não especificado é homem)
atiramos em várias direções na ânsia
da mera sobrevivência
um sangue desprezado
e seguimos buscando
"criar uma nova vida"
no apoio mútuo
na luta
no silêncio
nos chás e ervas
na dança
na poesia
na angústia
criamos como artistas mulheres
(o "artista" não especificado é homem)
atiramos em várias direções na ânsia
da mera sobrevivência
e então algo rompe o muro
e então a realidade bate à nossa porta
impassível
para rasgar os véus da dor
que tentamos esquecer
e então a realidade bate à nossa porta
impassível
para rasgar os véus da dor
que tentamos esquecer
nenhuma mulher precisará
olhar longe para ver a violência
está na nossa pele
no nosso sexo
está em toda forma de destruição
que a supremacia masculina
imprime a nossos corpos
olhar longe para ver a violência
está na nossa pele
no nosso sexo
está em toda forma de destruição
que a supremacia masculina
imprime a nossos corpos
e resistimos
e melhor o fazemos quando em união
algumas de nós, porém
se quebram
e se vão
partem antes da hora
tornam a dor seu próprio fim
e esvaem suas vidas
pelas suas próprias mãos
e melhor o fazemos quando em união
algumas de nós, porém
se quebram
e se vão
partem antes da hora
tornam a dor seu próprio fim
e esvaem suas vidas
pelas suas próprias mãos
poderia ter sido eu.
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